2006-10-02

Gostei de ver!

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A Igreja Católica não vai fazer campanha contra a despenalização do aborto, por considerar que este «não é um assunto religioso». A posição foi assumida esta terça-feira por D. José Policarpo, o cardeal patriarca de Lisboa, garantindo que a Igreja não vai fazer do aborto uma questão eclesiástica.

«É uma questão de ética e direitos humanos fundamentais», sublinhou D. José Policarpo, que disse ser desejável que sejam «os leigos, os pais e os médicos a liderar a campanha do não».


Sempre fui um pouco afoita no que toca a rebelar-me contra as regras e os pergaminhos que nada me dizem. Confesso que cultivo desde muito nova uma costela anarquista que herdei no sangue e sou rápida a tentar subverter as regras, especialmente as que não (me) fazem sentido. Confesso ainda que sou rápida a julgar em função de expectativas e/ou de atitudes passadas de determinados grupos sociais. Mas se há coisa que acho que também sou é capaz de um elogio. E bem sei que para o senhor pouco importará que o faça, ou muito menos saberá que o fiz, mas ouvir hoje o comentário de D. José Policarpo a propósito do novo capítulo da novela A Despenalização do Aborto em Portugal (será neste que aparece o The End?), deixou-me na disposição de dizer o que pensei que nunca iria dizer na vida: Bravo, caro senhor!

Um Estado que se assume laico, não pode continuar a cobrar aos representantes da fé a formação de uma opinião para agradar a apenas alguns. A fé não deveria nunca imiscuir-se na política (ainda que, ao ouvir alguns representantes partidários - ou de doutrina - por vezes não saiba bem onde acaba a crença não fundamentada e surja a ideia concreta e concretizável).

Claro que ver um vespeiro de jornalistas à cata da notícia fácil também terá a sua quota na confusão em que se vai caindo quando se fala de qualquer assunto que acerta em cheio no único neurónio sentimental do mais racionalista dos gajos...

Mas é que a democracia e qualquer acto sufragado pelo cidadão não deveriam ser nunca - ainda que haja quem queira que sim - mais do que o direito de escolher entre uma e outra proposta (ou várias) e, no caso de dúvidas, abster-se de escolher seja o que for
(*). E foi exactamente isso que disse D. José Policarpo. Esperemos que a comandita que recolhe votos em Fátima - e já que tanto diz seguir a doutrina da Igreja - se lembre de, por uma vez, deixar de invocar a crença e a fé católicas como motivo válido - e às vezes o único - para continuar a mandar mulheres pobres, sem dinheiro para ir a Espanha, para a prisão.


(*) os nulos e os boicotes ficam para outra vez...

19 comentários:

TheOldMan disse...

Isso apenas quer dizer que a Igreja católica passou para o capítulo da guerra secreta, usando apenas agentes infiltrados.

Um leigo é apenas um padre autorizado a foder (se conseguir orientar-se, claro)

;-)

Hipatia disse...

Mas podia não o ter dito, Old Man. Em 98 não o fez. E à conta de o assunto ter sido promovido a "não eclesiástico" há muita cromo que não vai poder abrir o bico, já que invocava sempre o mesmo...

Quanto à maioria dos papa-hóstias que de facto se orientam, eu cá só gostava de saber se sabem dar acordo de cada esporradela :)

TheOldMan disse...

Não te preocupes, Hipatia.

Devem ser tão poucas (as esporradelas), que não tenho dúvidas de que eles as contabilizam a todas...

;-)

Hipatia disse...

Então será que o fanatismo de inspiração católica (dizem eles...) é directamente proporcional à quantidade (esperemos que também qualidade, coitados) de quecas?

Ficava muita coisa explicada...

;-)

Lisa disse...

Acho que esta opinião, e vinda de quem vem, é mesmo importante. Porque remete para o capítulo do laico o que é laico, e dá aos padrecos o aviso para não se meterem a fazer campanha.

Mas o TOM tem razão quanto aos agentes infiltrados. Ou então sou eu que gosto tanto da igreja que nem lhe dou o benefício da dúvida.

Mas, como me dizia alguém aqui há dias, "olha que eles já cá andam há dois mil anos, já sabem muito e não são nada parvos". E é verdade.

(aquela definição de leigo, ó pá, ainda me estou a rir :D)

Maria Arvore disse...

Um bocadinho à bruta, vejo nestas declarações o aval para o "centrão" deste país de brandos costumes dar a maioria ao sim... porque negócio é negócio- e laico ;) - e está aí um filão para ser explorado pelo sector privado convencionado do Serviço Nacional de Saúde. ;)

Não me parece uma mudança de mentalidade mas o barulho dos euros a tilintar mais alto. ;)

De qualquer forma, pode ser aqui o começo para diminuir a injustiça de quem tem menos dinheiro e é efectivamente penalizado pela lei actual.

TheOldMan disse...

(Hipatia, desculpa usar assim a tua caixa para "converseta ")

É a definição mais aproximada que consigo arranjar, Lisa (e olha que já conheci alguns).

Maria Árvore, não é a intenção que conta mas sim o resultado prático. Pois de boas intenções está o inferno cheio (assim como a igreja católica, aparentemente).

;-)

Hipatia disse...

Lisa, os padrecos também são cidadãos. Poderão votar de acordo com a própria consciência e deverão fazê-lo. Aceito já menos bem se usarem os púlpitos para fazerem campanha, mas à Igreja também só vai quem quer e, provavelmente, são aqueles que acreditam que o Mundo foi feito em 7 dias e que Darwin não sabia do que falava.

O que acho verdadeiramente importante na afirmação do D. José Policarpo é a diferenciação entre a questão da fé, a questão eclesiástica e as questões que se prendem - e apenas - com direitos humanos fundamentais. A partir de agora, será sempre mais fácil desmontar argumentos absurdos do tipo "um óvulo é uma vida", se não metermos cá mais do que a ética ao barulho.

Os motivos que levaram a esta mudança de posição na Igreja Católica Portuguesa, por mais escusos que sejam, são ainda assim um passo em frente. E isso na minha perspectiva é importante.

Hipatia disse...

Claro, Maria Árvore. Não me admirava nada que, com a vitória do "sim", até os Hospitais geridos pela Igreja passassem a cumprir a lei: ao preço de uma diária de Hotel de 5 estrelas por noite no quartinho e mais os honorários dos médicos a fazerem perninha no Privado e das Irmãs sempre muito caridosas :)

Mas, no fundo, nem me importa bem como se chega ao "sim". Desde que se chegue. Essa é a meta e, como tantas vezes, quero lá saber que voltas deu a coisa, se por fim a coisa acertou no X ;-)

Hipatia disse...

Usa à vontade, Old Man :) Até porque concordo contigo: o que conta será sempre o resultado prático. E eu espero que - finalmente - esse resultado se espelhe numa lei com sentido.

Obviamente que espero que a legislação seja, acima de tudo, capaz de vigiar abusos. Espero que o aborto seja sempre o último recurso. Espero que, como uma vez escrevi, não seja a legislação a transformar o aborto no anticoncepcional das idiotas. Mas tem de mudar a lei que temos. É forçoso que assim aconteça. E que acabem as palhaçadas à volta de um assunto que já deu tantas voltas que já fede. Estou tão farta deste enrola e não decide que caracteriza a política portuguesa!

Anónimo disse...

Permite-me uma correcção: não se «continua a mandar mulheres pobres, sem dinheiro (...) para a prisão». Em Portugal não está ninguém preso por ter abortado.

E o que é isso de «a fé não deveria nunca imiscuir-se na política»? Então a fé não pode ter opinião, razões a expor, reflexões com pertinência a juntar ao debate político? A política é só para os agnósticos? Ou - pior - só para "os políticos"?

Hipatia disse...

Permite-me então remeter-te para a leitura disto: http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1263007&idCanal=95

"três mulheres foram condenadas pelo crime de aborto a seis meses de prisão, com pena suspensa por dois anos."

Para mim, serem três ou três mil é, ainda assim, um número excessivo.

E mantenho: a fé não tem lugar na política. Os cidadãos sim. A política é da esfera da cidadania, felizmente. E a conquista ao direito a um Estado laico não deveria ser escamoteada com pouco caso, só porque a maioria da população - e só a maioria - professa determinado rito.

Nenhum cidadão católico deveria sequer pensar em deixar de votar: é um direito e um dever. Por mim, que votem todos, ainda que seja - o que duvido - no "não". Como todos os evangélicos; ou todos os muçulmanos; ou todos isto ou aquilo. Mas aqui a religião professada é um mero apêndice. Ou deveria ser.

Não, a fé não pode ter opinião. O cidadão sim. E tentar transformar questões de ética e de direitos civis e humanos em questões eclesiásticas é, quanto a mim, um retrocesso sem sentido e uma violação da Constituição Portuguesa, que assume este como um Estado laico.

Aliás, nem percebo bem onde leste que a política deveria ser só para os agnósticos. Para esses também. Ou, dito de outra forma, às tantas nem para esses: acreditar ou deixar de acreditar em Deus, professar ou não uma religião, não deveriam ser misturados com política. Já basta as fartas vezes em que a doutrina política se dá ares de religião organizada e passa a proclamar a sua verdade como a única possível.

Anónimo disse...

É certo, Hipatia, foram mulheres condenadas. Mas não foras "presas". O que eu digo é que, em Portugal, nunca nenhuma mulher foi presa por ter abortado.

Quanto à relação entre religião e política, percebo o que queres dizer. Mas continuo a não concordar. Muitas das minhas opções políticas (e até ideológicas) nasceram da vivência da fé, em determinada altura da minha vida. E é assim com muita gente. E, não sendo totalmente esquizofrénico, não consigo separar o cidadão CC do crente CC. Portanto, em questões politico-legislativas, como é o caso do aborto, a minha opção não é alheia ao que a fé me diz sobre o assunto.
A fé e a religião não cabem nos templos. Vivem cá fora, na relação com os outros, com a cidade. É isso a política.
Já concordo com a proposição inversa: a política não deveria nunca imiscuir-se na fé.

Hipatia disse...

Aquelas mulheres, à saída do Tribunal, estavam presas. Que tenham interposto recurso é outra história. Estavam presas por 6 meses, mais dois anos de pena suspensa. Pelo crime de aborto. Para todos os efeitos, são criminosas condenadas. É quanto basta para o absurdo.

Todas as nossas opiniões políticas são influenciadas por aquilo em que escolhemos acreditar. Nunca disse o contrário. Nem sequer o disse D. José Policarpo. Disse apenas que não era uma questão eclesiástica. E isso faz toda a diferença. Toda! Em 98, na campanha do Referendo, o aborto era uma questão eclesiástica para a Igreja Católica portuguesa.

O post era sobre isso; o bravo era sobre isso. A moral influencia toda a prática social de um cidadão; as suas crenças também. Mas um Estado laico legisla necessariamente alheio a posições eclesiásticas. Ou deveria legislar.

D. José Policarpo afirma que os católicos deverão votar em consciência. Podem, inclusive, votar no "não", de acordo com os mandamentos daquela parte da religião católica que continua a afirmar que os preservativos não se devem usar e apenas o coito interrompido não é pecado; também pode haver católicos - que continuarão a ser católicos - a votar em consciência no "sim".

Mas não haverá qualquer regra teologal a dizer aos católicos o que fazerem, nem pecado, nem condenação ou excomunhão. Não faz isso toda a diferença?

Anónimo disse...

Faz, pois. Nesse ponto concordo em absoluto. Contigo e com o D. José Policarpo.

Apenas contestei a confusão de noções (jurídicas, é certo, mas que fazem toda a diferença) entre «continuar a mandar mulheres para a prisão» e condenação com pena suspensa. Se consideras que a lei é absurda, isso é outro problema. Em 98, os portugueses assim não o entenderam.

Nem a Igreja assim o entende. Parece-me um pouco ingénuo achar que a Igreja Católica não se vai pronunciar com clareza sobre o assunto.

E, já agora, um último esclarecimento: vou votar "não" no referendo à liberalização do aborto, mas não é porque entenda ser pecado usar o preservativo (?!). Uma coisa nada tem a ver com outra.

Unknown disse...

Concordo plenamente contigo Hipatia.
E com o comentário da Maria_Arvore, pois acredito que ele não esteja a "dar ponto sem nó", mas como dizes e muito bem, o importante é que as palavras ditas por ele venham ajudar ao "Sim", e que se acabe de vez com esta palhaçada.

Hipatia disse...

Terás que me desculpar, mas quem me parece confuso com as diferentes noções não sou eu. Em que é que há algo de confuso na expressão "seis meses de prisão". Por ser menos de um ano já não conta? Ou foi a tua posição - que para mim era bem clara no fim do primeiro comentário - que enviesou a tua leitura, a tal ponto que leste apenas a parte da pena suspensa por dois anos? Ou seria antes a tua posição sobre o tema que, sistematicamente, confunde o que eu afirmo no texto, evitando ver que apenas me refiro e congratulo com o facto de a questão não ser eclesiástica, mesmo que continue a ser de moral, ética e de direitos humanos fundamentais? Não é eclesiástica. E - não o sendo - que não seja a Igreja a fazer campanha. Não o poderá fazer. Os cidadãos que por acaso pertencem à Igreja, poderão fazer o que bem entenderem, dentro do que os seus direitos e obrigações de cidadão lhes permitem. Até campanha pelo não.

E, sim, tenho posições bem claras sobre este assunto. É que eu não tenho que lidar com engulhos do tipo "sou católico não praticante" (não entendo o que seja isso, mas adiante) ou do tipo "as regras eclesiásticas que não me dão jeito usar (tipo proibição do preservativo) não uso, mas sou ainda assim um bom católico a seguir o resto da doutrina"; ou do tipo "iá, este casamento não deu certo, vou ali divorciar-me e depois é uma pena já não poder casar pela Igreja, mas nem importa nada, que para isto a norma eclesiástica pouco importa, porque não me dá cá jeito nenhum".

Convenhamos que a prática da maioria dos que se dizem católicos adapta a doutrina aos seus interesses particulares. Mas que depois não me venham fazer campanha com base na norma eclesiástica. Que arranjem argumentos, sem ser a velha desculpa do dogma. Só isso.

Hipatia disse...

O mais importante para mim, Cruzeiro, é ser um alto representante da Igreja Católica a assumir que, em Portugal, há separação entre questões religiosas e questões de ética e direitos humanos. O Estado é laico; os cidadãos há muito que não precisam provar que são bons católicos para exercerem o direito de voto; a sociedade tem direito a estabelecer a sua ética sem a fundamentar apenas na moral católica.

Anónimo disse...

Mais Vozes

isto é uma questão mto pessoal, a parte religiosa tem vindo a perder influência na sociedade. e dps as pessoas têm de saber q em caso de aprovação, ñ vão deixar de haver regras p/fazer um aborto, penso q é melhor do q fazê-lo às escondidas, em más condições (já morreram mulheres p causa disso), ou ir até ao país vizinho!! os espanhóis são super-católicoa mas, neste caso, têm uma legislação q protege as mulheres....
eco de mim | Homepage | 10.03.06 - 10:17 am | #

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Claro que é uma questão muito pessoal e nunca poderá ser um recurso acedido de ânimo leve. Mas não pode continuar como está! Não pode continuar a ser um tema recorrente de que apenas se fala quando dá jeito, se propõem absurdos tipo "arquivamento dos processos" e se continua a ver mulheres a serem julgadas, condenadas, presas até, quando sabemos bem que, se fosse a amante ou a mulher de um qualquer fazedor de opinião, um saltinho a Espanha resolvia tudo. E ninguém morria...
Hipatia | Homepage | 10.03.06 - 6:35 pm | #

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o q eu queria dizer é q concordo c o teu post e q me surpreende q a Igreja ainda ache q pode mover montanhas, o debate é cada x mais pessoal, cada vez menos de âmbito religioso e moral...
... penso q se deve informar as pessoas devidamente no q toca a esta questão, é q há mta gente mal-informada q pensa q "despenalização do aborto" significa q vão deixar de haver regras e ñ é assim à paposseco q as coisas vão ser se de facto se fizer e aprovar uma nova lei...
eco de mim | Homepage | 10.06.06 - 8:00 pm | #

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.... e duvido q "no debate", apesar da posição assumida p D. José P., a Igreja ñ venha meter o seu dedinho, daí ter escrito q "me surpreende q a Igreja ainda ache q pode mover montanhas"... =)
eco de mim | Homepage | 10.06.06 - 8:04 pm | #

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Sabes, Eco, parecer-me-ia mal que os padres, enquanto cidadãos, não defendessem a sua posição. Afinal, têm o mesmo direito que nós em dizer o que pensam. Mas que o façam enquanto cidadãos. Só isso.

E, sim, há muita gente mal informada. E há muita gente que parece ainda acreditar no Lobo Mau, ou no Papão. Mas a ignorância não pode continuar a ser desculpa. Não pode ser desculpa para quem engravida; não pode ser desculpa para quem ache que, sendo aprovada nova legislação, pode abortar só porque sim.
Hipatia | Homepage | 10.08.06 - 2:53 pm | #