Ancião, não podes tu
Arranjar-me um remédio para a vida?
Quero vivê-la sem saber que a vivo
Como tu vives.
Fernando Pessoa
Gosto de falar com gente velha. Não toda. Mas há algumas pessoas, com corpos profundamente martelados pela vida, que me despertam uma profunda admiração. Têm uma genica e uma vontade irresistíveis, contam piadas, fazem coisas... As maleitas não os derrotam, cada novo dia é um privilégio que aproveitam até ao tutano. E contam histórias hilariantes, do tempo em que comer uma sardinha era um banquete e se andava descalço e só os fortes ou os sortudos não viravam anjinhos antes de completarem um ano de vida.
Às vezes esquecemos como Portugal progrediu em termos de esperança de vida e de taxa de sobrevivência infantil. No tempo da minha avó, nenhuma mãe esperava ou contava que todos os filhos sobrevivessem. As pessoas encaravam então a morte como algo bem mais pertença da vida. Talvez não assumissem o direito à vida de uma forma sequer tão absoluta. Morreu, enterre-se. Paz à sua alma. E vamos lá para os campos ou para os barcos, que o pão de amanhã não está garantido pelo fundo de desemprego e licença por nojo é coisa que nem sei o que seja.
De qualquer forma, há sempre quem veja um copo meio cheio onde outros o vêem apenas meio vazio. Acredito que a tristeza e a incapacidade para o contentamento sejam das maiores falhas de carácter: infernizam a vida de quem não sabe ser feliz; infernizam a vida de quem partilha o tempo com gente sempre amargurada; impedem que se aprecie o momento e se acredite que há esperança, até contra a doença, até contra a ampulheta inclemente do tempo que passa.
Há muitos jovens demasiado encanecidos. É que também se pode ficar gasto bem jovem. Como estar em perfeito estado no fim da vida. Talvez seja tudo uma coisa de disposição para envelhecer bem, viver bem, não desistir.
Pouco há-de importar-me se levo um cadáver bonito para a sepultura. Mas espero chegar às vésperas das descidas aos tais sete palmos garantidos com uns neurónios ainda ginasticados.
E que seja um baile de despedida. Como se o pudesse escolher por medida, ou às tantas porque talvez chegue a um momento em que decidirei que é por medida. Se já usar um tripé para me manter em pé por essa altura, que tenha pelo menos vontade de dançar. E rir-me às gargalhadas da minha figura, perna trôpega para um lado, perna trôpega para o outro, mais a muleta para dar balanço.
E que alguém jovem olhe para mim e ainda sinta vontade de ouvir as minhas histórias, rir comigo, ficar contente porque a idade não é fardo. Como eu fico às vezes a ouvir falar quem já roubou ao tempo quase um século de vida.
12 comentários:
Viver amargurado é também não gostar de si próprio e assim sendo, para quê envelhecer?...
A vida é uma farra se em cada pedacinho dela encontrarmos a razão para dançarmos.
A idade é uma questão de estado de espirito e de vontade de viver...
É por isso que tenho tantas saudades do meu pai, ele era um "jovem" cheio de vida, mas com imensa coisa para ensinar...
A velhice é um flagelo terrível, especialmente se tivermos menos de cinquenta anos.
It's all in your mind, Hipatia. It's all in your mind...
;-)
Que queres não pude deixar de me lembrar da tua conversa com a Dª E. e tu a levares com o Johny Depp em vez do Clark Gabel. ih, ih, ih!!!
Ai que roubei um "n" ao Johnny... para roubar qualquer coisa a esse gajo que não seja um "n" por amor da santa!
Lá nisso tens razão, Maria Árvore. Mas nunca chego a perceber porque é que há tanto infeliz que só fica satisfeito quando vê toda a gente que o rodeia infeliz também.
Agora lembrei-me do meu avô, Cruzeiro... E a falta que nos fazem!
O mesmo para a velhice, Old Man :) Perto do meu local de trabalho está uma Universidade da Terceira Idade. Os alunos são contagiantes, divertidos. O que não teria dado, quando dava aulas, para ter alunos assim...
A D.ª E. é mesmo um excelente exemplo, Bastet :) E eu nunca me esqueço o quanto ela gosta do Gerard Butler disfarçado de Fantasma da Ópera ou dos comentários dela acerca da vida tal como ela é :)
E tens razão: a teres de "papar" alguma coisa ao Johnny, que seja mais do que um "n" ;-)
É a inbeja, carago! ;)
Esses infelizes são tão infelizes por serem quem são que só se alimentam de cada mílimetro dos outros abaixo de si, como as moscas nos excrementos. :(
Sabes, gosto de pessoas bem dispostas, disponíveis, que não acham que qualquer crítica é um ataque nem esperam que o mundo gire à volta do seu umbigo. E gente amarga faz mal. Contamina o ambiente por onde quer que passe. Depois, quase sempre acabam sós. Mas o estranho mesmo é que ainda digam que não percebem porque ficaram sós. E eu, de longe (de bem longe!) acabo com pena de pessoas assim. Era isso ou rir-me delas. Mas o riso só serve numa primeira fase, quando ainda não percebemos bem como são tristes. Depois, resta apenas dó. E não há nada pior do que sentir assim pena de alguém.
Mais Vozes
Onde é que se assina?
E.A. | Homepage | 10.25.06 - 9:05 pm | #
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Pois, se fosse uma petição também eu assinava, para além de desejar o mesmo para mim... oxalá, Hipatia.
Ricardo Garcia | Homepage | 10.26.06 - 10:49 am | #
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Boa boa hip bora ai até aos 150 ,
e que seja com ele meio cheio ou meio vazio ; )
claire | 10.26.06 - 2:35 pm | #
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Já te inscreveste?
Hipatia | Homepage | 10.26.06 - 6:03 pm | #
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Oxalá, Ricardo Não era mau de todo, pois não? Talvez acabassemos a pôr as nossas duas bengalas a dançar o vira
Hipatia | Homepage | 10.26.06 - 6:04 pm | #
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Não sei se quero ir até aos 150, Claire. Quero ir-me ainda em condições minimamente decentes. Aos 150 já deveria estar podre
Hipatia | Homepage | 10.26.06 - 6:05 pm | #
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Como quiseres , eu vou indo ; )
tenho aqui 1 poema do Pablo neruda esta em francês ....
Celui qui…..
Il meurt lentement celui qui ne voyage pas,
celui qui ne lit pas,
celui qui n’écoute pas de musique,
celui qui ne sait pas trouver grâce à ses yeux.
Il meurt lentement
celui qui détruit son amour-propre,
celui qui ne se laisse jamais aider.
Il meurt lentement
celui qui devient esclave de l'habitude
refaisant tous les jours les mêmes chemins,
celui qui ne change jamais de repère,
Ne se risque jamais à changer la couleur de ses vêtements
Ou qui ne parle jamais à un inconnu
Il meurt lentement
celui qui évite la passion
et son tourbillon d'émotions
celles qui redonnent la lumière dans les yeux
et réparent les coeurs blessés
Il meurt lentement
celui qui ne change pas de cap lorsqu'il est malheureux au travail ou en amour,
celui qui ne prend pas de risques
pour réaliser ses rêves,
celui qui, pas une seule fois dans sa vie,
n'a fui les conseils sensés.
Vis maintenant!
Risque-toi aujourd'hui!
Agis tout de suite!
Ne te laisse pas mourir lentement!
Ne te prive pas d'être heureux!
Pablo. Neruda, poète Chilien, prix nobel de littérature 1971
claire | 10.26.06 - 11:27 pm | #
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Em português, este "morre lentamente" ou "quem morre?" conheço assim:
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não
ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem
não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem se transforma em escravo do
hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca,
não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não
conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o
negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um
redemoinho de emoções justamente as que resgatam o brilho dos
olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um
sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida
fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da
sua má sorte ou da chuva incessante.
Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de
iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não
responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Morre lentamente...
Mas parece que não é do Neruda. Apenas um daqueles textos que começaram a circular na Net, como o Marionete que diziam ser de Garcia Maques e até deu origem a uma conferência de imprensa desse autor para o desmentir.
Pode ser que alguém que saiba a verdade nos leia e me tire esta teima, Claire. É que nunca o encontrei nos livros que conheço do Neruda, mas não tenha a presunção de conhecer toda a obra do poeta chileno.
Hipatia | Homepage | 10.27.06 - 12:22 am | #
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Olha que diabo ,o texto português nem sequer diz o mesmo que o francês . vou cuscar ....
claire | 10.27.06 - 7:06 pm | #
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Não, não diz. E até pode ser que uma das versões seja de Neruda. Mas, mal li o início do poema que deixaste, lembrei-me de uma polémica velha que tinha lido algures.
Hipatia | Homepage | 10.27.06 - 7:12 pm | #
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Gosto da versão em francês que não fala nem de marcas nem de TV e gurus....
hip faz lá umas figas comigo que talvez na segunda feira tenha a versão original .
E Tb quero deixar-te 1 beijinho Gaivina que nunca te vi por aqui .
claire | 10.28.06 - 7:14 pm | #
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Vais descobrir qual é o livro onde está o riginal? Vou ficar à espera
Hipatia | Homepage | 10.29.06 - 1:24 am | #
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Bom dia ; ta parece que tens toda a razão e a net faz destas barbaridades .obrigada hip 1 jinho .
claire | 10.30.06 - 12:44 pm | #
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Pois!
Hipatia | Homepage | 10.30.06 - 5:33 pm | #
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