2008-12-16

O jogo do costume

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«A política lança o maior desafio à acção. Toda a acção é incerta e necessita de uma estratégia, isto é, de uma arte de agir em condições aleatórias e adversas. Mas a acção política é um jogo particularmente incerto em que as acções podem provocar reacções que a destruam, em que o efeito pode atraiçoar a intenção, em que os fins se podem transformar em meios e os meios em fins. O mais impressionante e frequente em política é a derivação, a perversão e o desvio da acção. Por isso a observação de Saint-Just tem mais valor do que nunca: "Todas as artes têm produzido maravilhas, só a arte de governar tem produzido apenas monstros".»

Edgar Morin, in "As Grandes Questões do Nosso Tempo"


Ao ouvir mais umas notícias do dia na televisão enquanto cirandava pelos blogues, não me saíam da cabeça as palavras de Saint-Just e a forma como foram contextualizadas por Morin.

9 comentários:

Maria Arvore disse...

E, porém, os homens sobrevivem.
E até fizeram a revolução de 1383-85 e a revolução francesa.

O poder corrompe mas nem todos os homens, nem todos os políticos, são corruptos.

E como não consigo ver, por exemplo, o Gandhi, o Martin Luther King, o Mário Soares ou o Jorge Sampaio como monstros não consigo concordar com o Edgar Morin nem com o Saint-Just.

Porque se concordasse teria de começar a mobilizar já todas as pessoas para o mais rapidamente possível acabar com o Estado e criar uma sociedade em que cada um de nós se auto-regulasse. ;)

Hipatia disse...

E, de permeio, há Santana e Rio outra vez e Portas como de costume e o Sócrates porque também e as esquerdas que mais não se sabe e o centrão e Coelhone e o Loureiro a gerirem um fundo escuso e...

Há obviamente excepções. Mas parecem-me cada vez mais só estarem lá para confirmar a regra :(

I. disse...

À conta das citações que aqui vais deixando já me fizeste andar à procura de livros deste autor. Não encontrei nada na fnac, mas continuo à procura.

E por favor, não falem no Santana. Estou a tentar (sobre)viver na ignorância, que não ganho para antidepressivos.

Bartolomeu disse...

Então Hip... e onde colocas a vontade humana, no meio desta selva de monstruosidades?
Não é precisamente a gregariedade recorrente que "os" inventa?
Se assim não fosse, sempre, teríamos naturalmente o modelo alternativo que a Árvore aponta.
Por mim... até sou gajo de Kibutz's e tudo, e tudo, e tudo.
;)

Hipatia disse...

MORIN, E. (1981). As Grandes Questões do Nosso Tempo. 5ª edição. Col. Ciência Aberta. Lisboa: Editorial Notícias.

MORIN, E. e outros (1998). Os Problemas do Fim do Século. Col. Ciência Aberta. Lisboa: Editorial Notícias.

MORIN, E. (1998). Sociologia – A Sociologia do Microssocial ao Macroplanetário. Edição revista e aumentada pelo autor. Col. Biblioteca Universitária. Mem Martins: Publicações Europa-América.

I, deixo-te as referências bibliográficas completas dos três que tenho aqui na estante em frente. É que como qualquer outra pessoa com uma casa pequena, a maioria dos meus livros está em casa dos papás :D

(não me lembres do Rio, vá!)

Hipatia disse...

Estamos a falar de vontade humana ou de políticos manhosos, Bartolomeu? Estamos a falar de gente que vai para a política para servir a coisa pública ou de gente que só lá está para servir a própria causa? Estamos a falar de gente, das suas acções, das suas intenções, ou dos resultados? Tudo depende, não é? Mas quantas vezes um bem intencionado acaba a dar origem a uma tragédia? E quantos outros pura e simplesmente não se demitem dos seus princípios? E quantos ainda não se transformaram em classe, zelosos dos seus privilégios e das suas manhas? E quantos não transformaram a política em espectáculo, o civismo em fogo-fátuo, o interesse comum em palavrão geriátrico? Existe cada vez mais a noção de que há o povo e, depois, há assim um anacronismo chamado políticos. E que têm interesses mutuamente exclusivos. Depois, há ainda uma série de catástrofes resultantes de um qualquer gajo com demasiado poder que tentou ser artista à custa de todos os demais. Da mesma forma que nos sobejam (felizmente!) os bons exemplos, também não é com dificuldade que te lembras dos monstros. O pior é que, ultimamente, desde Putin a Berlusconi, passando por Bush, Blair, Barroso e Aznar, mais uns tantos mânfios na África sub-sahariana e o Chavez e os Bin Laden e o gajo da Coreia e o do Paquistão e o regime abjecto de Myanmar, mais as purgas no Tibete e, para nos enfeitar o ramalhete à escala da nossa dimensão pequenina, a maioria dos cromos que temos a fazer/fabricar política em Portugal, diz-me de quantos não monstros da actualidade te consegues realmente lembrar?

Bartolomeu disse...

None!
Énde iu nau uái?
Porque os gerámos, os alimentámos, os formámos e por fim elegêmo-los. Deslumbrados pela luminosidade dos seus hipnóticos discursos. Haverás de convir... vive-se uma época de ilusionísmo consentido... ou será desejado?
Talvez tenhamos perdido a esperança no regresso daquele reizinho que os profetas garantiram que voltaria de espada em punho, numa manhã de nevoeiro, montando um cavalo branco, ajaezado para a batalha.
Resta-nos... !?

Hipatia disse...

Não tenho muitas dúvidas acerca da paternidade deste tipo de políticos. Resultam quase sempre de uma sociedade que se demite, de uma cidadania que é esquecida, de muitos cus que ficam sentados em demasiados sofás em dias de eleições, de um tipo de cultura que propícia que muita gente reclame mas raramente alguém aja, do tanto de ralhar de barriga cheia a ver se o Sr. Cunha se lembra deles e dá mais um jeitinho ali e acolá, da mentalidade demitida de quem não quer chatices e até da fiscalização inoperante por incúria e/ou inércia. Mas depois penso que o povo só é sereno até certo dia...

Anónimo disse...

Se o homem estivesse a falar de xadrez estaria inteiramente de acordo . principalmente na parte da perversão , no xadrez sacrificam-se rainhas para se dar mate ao rei ( o rei nunca se come )

Vindo de mim isto até poderá parecer heresia, mas estou convencido q muito governante já passou por este mundo tendo feito o melhor possível com o jogo q tinha à disposição. muitos outros cheios de boas intenções perderam por não ter sabido jogar ,outros aceitaram empates em condições que lhes seriam vantajosas e pelo q dizem as más línguas o melhor jogar do mundo aceitou perder contra uma maquina a troco de alguns tostões.
frogas | | 12.16.08 - 11:47 pm | #

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Sim, Frogas: nem todos os políticos são monstros. Também acredito que muitos fizeram o melhor que puderam com as cartas que tinham. E ainda há aquilo de que fala Morin de uma acção cheia de boa vontade ter dado origem a resultados profundamente perversos. Mas também é certo que, entre os artistas da política, estão dos piores monstros que há memória. Se acrescentares a essas personalidades doentes o poder que a política concede, tens toda uma miríade de exemplos por onde escolher entre os piores crimes alguma vez cometidos contra a Humanidade e, ultimamente, até contra o Planeta que nos sustenta.
Hipatia | | Email | Homepage | 12.17.08 - 7:44 pm | #

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Inteiramente de acordo, apesar de também ser verdade que em algumas épocas e em alguns locais a humanidade foi levada pela mão de políticos que se distinguiam pela positiva , meter tudo no mesmo saco é quanto a mim um erro . politica também é aquilo que faço no micro clube em que estou inserido ,politica também é o q faço quando sou intransigente com uma ideia ou quando deixo cair um dos meus ideais de modo a não perder o rumo q tinha traçado . o universo do meu pequenino clube de bairro é provavelmente tão ou mais difícil de gerir politicamente do q a maior parte dos grandes impérios ( estou distraído) e se no final da minha actuação a coisa der para o torto podes acreditar que apenas os resultados me magoarão porque estou certo de q tudo fiz dentro do q me era possível para q a coisa resultasse de acordo com o meu ideal .
Dizer q da arte da politica só nascem monstruosidades é mais do q um convite a q as pessoas se afastem da condução dos seus destinos . a realidade é que a maioria das sociedades tem tido evoluções que se tem mantido no tempo a verdade ( a minha) é que quanto menos politizada é uma sociedade mais facilmente aparecem os monstros das más intenções
frogas | | 12.18.08 - 1:57 am | #

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Sim, Frogas: a polis é nossa; todos fazemos política diariamente. Mas, então, porque se demite tanta gente quando há eleições, por exemplo? Porque continuamos a tolerar ordeiramente o centrão que nos calhou em rifa, onde está mais que provada a prostituição entre poderes políticos e poderes económicos e onde nunca há culpados, já que são todos juízes em causa alheia? E não tinhas vontade que a democracia por cá fosse realmente representativa, para poderes volta e meia mandar uma cartinha ao deputado que, supostamente, te representa porque foi eleito pelo teu círculo eleitoral e, no entanto, nem sabes quem é, o que faz, quantas vezes falta à AR e que propostas alguma vez apresentou?
Hipatia | | Email | Homepage | 12.18.08 - 11:26 pm | #