«A vida descostura, o homem passa a linha, a corrigir os panos do tempo.»
Mia Couto, in "A Adivinha"Conta-me! Conta-me o que se calou ainda. Conta-me a memória, os sorrisos, a doçura. Põe a música certa a tocar e vai falando. Conta-me o sentido, o racionalizado. Conta-me das histórias, dos equilibrismos. Faz-me um desenho ou uma pintura. Diz-me como estava o céu, como brilhavam as estrelas, como já se ia embora Vénus e a aurora raiava o negro de rosas e amarelos. Diz-me como foi o dia, aquece-me desse mesmo sol. Conta-me das metamorfoses, dos crescimentos, dos pés já doridos, dos sonhos acordados. Vá, conta-me! Não esqueças nem um pormenor, um pensamento, um fio. Conta-me tudo! Preenche cada espaço, soletra cada letra. Não te enganes nos ondes, nos quandos, nos porquês. E conta-me.
Recorda agora. Conta-me tudo o que já começo a esquecer.
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original de 2004
4 comentários:
Creio que esta será a "música certa" para poder contar-te sem me enganar, os espaços onde cresci.
;)
http://www.youtube.com/watch?v=h6TvegK-IUE
Descobri uma coisa curiosa sobre este texto: foi postado noutros blogues (na sua versão original, pelo menos) como sendo de Mia Couto. É um texto que me é caro, que simboliza algo muito pessoal. E deixou-me profundamente espantada por alguém pensar que um textinho destes pudesse realmente ser de Mia Couto. Este texto nunca quis ser uma obra de um escritor consagrado. É um texto íntimo que apenas tem lugar num blogue. Que coisa tão estranha!
(não me lembro se já alguma vez tinham tocado os Beatles na Voz; ou sequer se já dirigi alguma palavrinha ao Canadá :D)
O difícil é acertar na música!
Não sei se para mim é difícil acertar. Nas "minhas músicas", pelo menos. E acho que todos temos algumas, mesmo que não incluam os Beatles :)
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