2010-01-06

Da tolerância


aqui


Todos os modelos de organização contêm dimensões de exclusão. E, em certa medida, atrevo-me a dizer que o grau evolutivo de determinada sociedade se mede também pelo seu grau de tolerância ao diferente, ainda que a tolerância implique implicitamente uma relação de desigualdade, havendo um agente activo que tolera e um agente passivo a quem cabe ser tolerado. No limite, se houvesse igualdade real de direitos e deveres entre partes, a tolerância passaria a ser um conceito vão. E, ainda assim, não será bem mais frutífero aceitar (e tolerar) uma qualquer forma de discriminação positiva que concede, mesmo que a contragosto, direitos iguais para quem é (ainda) visto como diferente da norma-padrão? E porque será que um conceito – o casamento, para o caso – se transforma numa forma de exclusão simplificada, quando se aceita que se reúna – desde que sob outro nome – toda uma panóplia de direitos e deveres sob uma qualquer forma de contrato, mas intolerantemente se espera que se brinque com conceitos, arranjando novas denominações para uma realidade que, se a tolerância o permitir e os interesses instalados autorizaram, passará a ser exactamente a mesma coisa? Não chego a perceber como casamento passou, de conceito que casa, a conceito que separa, por mais fundamentação aparentemente racional e tolerante que aceita que se chame união, mas não permite que se chame casamento.

15 comentários:

I. disse...

Dar nomes diferentes a institutos jurídicos iguais além de parvoíce é má técnica jurídica.

Ontem irritei-me à brava ao ler, apesar de na diagonal, uma opinião do Freitas do Amaral, na Visão. Afastava a ideia de que o casamento se destina à procriação (visto que se pode procriar e constituir família fora do casamento, com os mesmos direitos paternais e filiais), mas depois dava a volta ao texto para regressar à ideia do casamento como forma de regular e constituir família, direitos parentais e coiso e tal.

Esta cruzada conservadora começa a ofender-me a nível pessoal, como heterosexual, recém-casada e pessoa que não pretende procriar. O contrato que eu assinei é só entre mim e o pobre desgraçado que eu enganei. E sim, mesmo sem prole, somos uma família. Já éramos, antes de casar. E chacino quem disser o contrário.

Anónimo disse...

Nada a dizer quanto ao excelente texto da Hipatia.

Adinato, quanto à I., outra forma de família muito comum que é regulada e não é destituída de direitos parentais: uma mãe solteira e seu filho.

I. disse...

E outra, cada vez mais comum: o pai solteiro/divorciado e filho/s. Famílias, há muitas. E todas têm a mesma dignidade e deviam ser olhadas com o mesmo respeito.

Bartolomeu disse...

Olha... quando aprovarem uma lei que permita a poligamia... bom, nessa altura, caso-me!

Anónimo disse...

Bartolomeu, nada contra. Haja muita vontade, ou melhor, um parlamento que aprove (com muita pouca probabilidade, diga-se :))

Bartolomeu disse...

Ora bem, parece que já temos duas assinaturas garantidas, não é verdade Paulo?!
Falta-nos uma palavra de ordem...
Xacáver Bartolomeu, xacáver...
Ah, já sei!
Contra a exclusão, poligamos... mostrai que haveis tesão!!!
Vamos ver se as nossas fileiras engrossam...

Hipatia disse...

Acreditas que uma das coisas que me levou a escrever o post foi exactamente o que li na "Visão"? Não a única coisa que, infelizmente, esta lógica do absurdo e da pescadinha de rabo na boca está bem instalada. E não será também despesismo? Mais do que os supostos custos de um referendo, o despesismo de bons conceitos, que funcionam, que não atrapalham. Tu há dias diferenciavas numa destas caixas de comentários matrimónio e casamento (pois, também foste mote para o post) e, quanto a isso, parece-me tão óbvio que já ficava o assunto resolvido. Mas não! é preciso proteger o bom nome do casamento e da procriação e da família e o raio que os parta. É um contrato, bolas! Tudo o mais que lhe quiserem apor é tão acessório como o copo de água, a lua de mel, a liga na perna e ramo da noiva. Ah e os convidados bêbados a dançarem com a gravata na testa ;-)

Hipatia disse...

"Nada a dizer quanto ao excelente texto da Hipatia."

Portanto, a partir daqui, a conversa é entre vós os três, certo? É que eu faço já um referendo pelo direito a monogamias sucessivas sem passagem pelo registo civil :D

Bartolomeu disse...

Pronto! Aparece sempre alguem que foge com o rabo à seringa...

Hipatia disse...

A questão é que não ponho o rabo no registo civil :D

(talvez velhinha, no lar da terceira idade, me decida a dar o nó com um qualquer desgraçado que aceite partilhar o copo da dentadura e o andarilho...)

Anónimo disse...

É... amuou.


(Hipatia, era uma saiazinha - não mini-saia - travada em cima, cor-de rosa suave a condizer com o baton: era um tailleur...)

Hipatia disse...

Paulo, pensa: preto, preto, vermelho, preto, preto, talvez verde garrafa ou castanho chocolate, preto, preto, preto, branco muito pouco, preto, preto, roxo, preto e preto outra vez. Já estás a ver o filme?

(continuo curiosa)

Anónimo disse...

(Quem não viu o "filme" foste tu...
Acordei completamente inebriado e a pensar se te devia mandar "e-notícias": não estranhes que não te comente ou te comente de uma forma completamente atabalhoada, porque estou - sentia-me - completamente... Isso, isso!)

Anónimo disse...

Pá, mas, obviamente, passou!

(Até eu, que reli o comentário anterior, achei que poderia ser lido com conotações impróprias e erradas, bolas!) :P

Hipatia disse...

Essa parte do acordaste ou não "agora não interessa nada". A questão é o rosa cueca e, nessa, não abdico: é uma questão de princípio :D