2010-01-05

O rochedo ainda rola

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«Deixo Sísifo no sopé da montanha! Encontramos sempre o nosso fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também julga que tudo está bem. Esse universo enfim sem dono não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada estilhaço mineral dessa montanha cheia de noite, forma por si só um mundo. A própria luta para atingir os píncaros basta para encher um coração de homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.»

Albert Camus, O Mito de Sísifo



Fez ontem cinquenta anos que morreu. Conheci-o lá para os meados dos anos oitenta do século passado. Não pelo Estrangeiro, que é por onde acho que quase todos lhe chegaram. Foi Sísifo quem me cativou. Até hoje, sei que o rochedo ainda rola e que encontramos sempre o nosso fardo. E não há como acreditar em qualquer alternativa a esta ideia magnífica de que é na nossa luta de cada dia, aqui e agora, que nos resumimos até sermos capazes de imaginar que Sísifo é feliz. Dono do seu fardo sem desculpas nem promessas em algo externo ao nosso eu e às nossas circunstâncias (ok, o Ortega também frequentou a minha adolescência e mais vale acabar o post antes que meta qualquer referência às Mãos Sujas ou ao Sangue dos Outros) como motor da felicidade possível. Não há Paraíso sem espinhos. Mas o Paraíso está em nós e na felicidade suprema de o realizarmos sem mediadores, ou o adiarmos para um dia que pode nunca vir.

6 comentários:

Anónimo disse...

Foi um Absurdo e a culpa foi toda do Michel...

(sorry, está encriptada, mas se faz parte da tua adolescência, compreenderás)

Bartolomeu disse...

Que raio... porque será que depois de ler o que escreves, me vejo sempre obrigado a rever as minhas "certezas"?
Aiiii que raiva!!!
;)))

I. disse...

Eu conheci Camus através d'A Queda, que me deu a volta ao miolo. Segui pel'A Peste (maizoumenos) e só depois conheci O Estrangeiro. Este Mito nunca li, mas o mito em si é-me muito familiar. Ele há dias em que se empurra o calhau cantando e rindo, noutros a coisa custa mais. Fica a única certeza que se empurrará o pedregulho, sempre. Mesmo sabendo de antemão que o sacana vai despencar lá de cima e tudo recomeçará ;)

Hipatia disse...

E eu a pensar que tinha sido da árvore.

(pobre Michel!)

Hipatia disse...

Acho que é mais o que escreveu Camus, Bartolomeu :))

Aquele parágrafo que citei (o último do texto original) dá cabo de muitas certezas ;-)

Hipatia disse...

Se quiseres ler (não é muito grande), segue o link que está na citação, que eu sou amiga :))