2010-01-18

Só isto


aqui

Não me interessa que me digam que o meu dinheiro vai ser desviado para os bolsos dos corruptos, ou que há mais militares do que médicos no terreno se a ajuda continuar a aparecer. Nem me importa sequer que me agridam violentamente com cada história com que se fabricam notícias e cada imagem a escorrer sangue. Ou que o que dei sirva para muito pouco. Ou que eu não seja mais do que uma gota. Mas sempre ouvi dizer que as gotas fazem um mar. E, quando damos, é também por nós que o fazemos. Quando estendemos a mão a quem sofre, é o nosso sofrimento que mitigamos, o desconforto de nos sabermos a salvo, da arbitrariedade que nos anula no sofrimento absurdo de outro humano tão parecido connosco, tão diferente na sorte. Por todo o cinismo que os anos colaram em mim, é também por isso que dou ainda. Para sentir que preservo a minha humanidade, que afinal o calejada que estou não impede que chore por gente que nunca vi, crianças que nunca abracei, velhos de quem não sei o nome. Se não estiver por eles hoje, quem estará um dia por mim?

10 comentários:

deep disse...

Estou contigo. Nunca sabemos o rumo que leva o muito o pouco que destinamos a certas causas. Só temos que acreditar que há também muita gente bem intencionada e que, por esses e, principalmente, pelos que precisam, vale a pena arriscar.

Anónimo disse...

E seria de esperar outra coisa de ti...?

Vou-te contar mais um segredo: das antilhas, conheço a Jamaica, Cuba e... o Haiti. Nunca estive na República Diminicana, onde um amigo meu encontrou o Otelo refastelado ao sol num resort, enquanto o seu amigo Fidel quase morria. O Haiti já era muito instável, com grupos de saqueadores armados até aos dentes, e onde imperava a lei da injustiça. Depois deste cismo, aquilo deve estar caótico, mortiço, nauseabundo. Gente infeliz aquela que nasceu do lado errado da ilha dominicana...

Anónimo disse...

errata: sismo e Dominicana

Hipatia disse...

E também por nós, Deep, cada vez atomizados e demitidos, duros, indiferentes, a olhar para o lado para não ver, a tentar seguir em frente sem olhar. A indiferença enferruja-nos.

Hipatia disse...

O Tomás Vasques, do Hoje há Conquilhas (link ali ao lado, se não conheceres) cita um post de Francisco José Viegas que fui ler. E eu até sei que o que diz FJV é verdade, desconfio que seja ainda pior. Mas, depois de ler o texto, não queria aquela verdade, não queria saber de ONGs a receberem por cabeça como se contassem gado num redil, não queria aquele tom sem esperança. Todos somos parte. Todos podemos escolher o lucro nojento, a indiferença criminosa, a preguiça vil. Mas, no fim, temos de viver connosco. E eu só sei viver comigo se não me deixar contaminar por mais do que a minha indiferença diária e sem vontade e sem causas e sem paciência. Por isso, faço ainda a minha parte. E é por mim: para não me sentir ainda mais perdida, mais seca. Por ainda querer acreditar que quem dá pode, de alguma forma, merecer receber em igual medida.

I. disse...

Ando aqui a matutar se faço um donativo ou não. Sou associada da AMI, pelo que já contribuo qualquer coisa, mas acho que precisam de mais. Mas se doar, é directamente à AMI, que estão no terreno e é uma organização decente. Uma das poucas para que contribuo regularmente, para além da AI, e Unicef. Sobre as outras, não ponho as mãos no fogo.
Mas acho que mais vale dar de coração aberto que nos fecharmos no cinismo.
Sinceramente, o que mais me chateia é o desfile de vips, que lá vão mais para serem vistos que para verem, e que devem ficar muito bem instalados, e a quem não faltará conforto, água e comida. Enquanto os outros... ai jasus. Que nervos.

Hipatia disse...

Fiz o donativo para a AMI. Ainda estive no site da Cruz Vermelha, mas depois aquilo misturava Cruz Vermelha Americana com Crescente Vermelho e associação de não sei quê e foi tudo para a AMI. Pode ter uma dimensão mais modesta, mas vai à confiança.

Quanto ao que dizes, não sei se me fazem assim tantos nervos os famosos. Na verdade, se ajudarem a que não falte apoio a quem precisa.

Filipa Paramés disse...

Eu cá contribuo. E sinto que - enfim, estabelecendo as devidas e enormeeeeeeees distâncias - parte de mim está lá.
No outro dia dei dinheiro a uma pedinte (coisa que NUNCA faço) e dresponderam-me: "Que Deus a ajude como me ajudou a mim". Impressionou-me. Arrepiou-me. Sempre que digo um não redondo, fico a pensar que estaria bem lixada se todos fossem como eu, ou como seria se algum dia estiver do outro lado...

Beijinho grande,
Fil.

Hipatia disse...

A questão é que eu acho que, ainda durante as nossas vidas, vamos estar do outro lado. É que cada ano que passamos incólumes, é mais um ano que avizinha outro 1755.

Anónimo disse...

Mais Vozes

Nunca me meti a pensar muito sobre estas coisas mas estou certo que se me pedissem por um tempo determinado para partilhar a minha casa a minha agua a minha luz a minha roupa a minha comida e o meu tempo com alguém que se encontrasse numa situação desesperada como esta Se o meu pais recorresse a este tipo de ajuda não tenho a menor das duvidas que estaria entre os primeiros a disponibilizar o que me é possível disponibilizar
frogas | 01.19.10 - 11:55 pm | #

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Talvez não me oferecesse para dar abrigo, mas se me deparasse com uma situação pontual desesperada, acho que não o recusava. Ou seja, não vou para a rua oferecer o meu sofá para quem não tem abrigo, mas se me batessem à porta em desespero, não saiam sem comida, água e, provavelmente, sem que os levasse a uma pensão e pagasse a diária.
Hipatia | 01.20.10 - 7:22 pm | #