2025-12-10

A Eurovisão da moral relativista

Oh, meus amantes do kitsch e do conflito geopolítico disfarçado de festival da canção! Que alegria ácida nos traz esta edição da Eurovisão, que promete ser menos um concurso musical e mais uma simulação avançada da ONU — se a ONU tivesse key changes, pirotecnia barata e coreografias que parecem ter sido ensaiadas num parque de estacionamento do Ikea.


O cenário está montado: estamos todos numa arena brilhante, prontos para celebrar a união através da música, o poder redentor de uma power ballad em falsete, e a inquebrantável tradição europeia de fingir que gostamos de ethno-trance da Moldávia. Mas este ano, a cortina de glitter esconde uma tensão mais densa que o sotaque dos comentadores italianos. Porque, caros amigos, a Eurovisão decidiu, com a coragem moral de uma lebre em câmara lenta, que há boicotes que são trendy e há boicotes que são… inconvenientes.


De um lado, temos as várias delegações que se retiraram ou ameaçaram fazê-lo. Países que decidiram que a sua consciência não lhes permite brilhar ao lado de um participante que representa um Estado acusado de violações dos direitos humanos. É uma posição nobre, sem dúvida. Faz lembrar aqueles amigos que se afastam de uma festa porque discordam do anfitrião, mas só depois de garantirem que aparecem nas fotos iniciais para o Instagram. A sua ausência será sentida e a contribuição para o orçamento também.


E do outro lado, no centro do furacão, Israel mantém-se. Com direito a spotlight, a votações do público, e provavelmente a uma act cheia de simbolismo ambíguo sobre "luz após a escuridão" ou "esperança além do medo". A União Europeia de Radiodifusão (UER), essa entidade cuja neutralidade é tão flexível quanto as regras do que constitui uma "canção", coça a cabeça, consulta manuais de relações públicas de 1992, e anuncia: "Cumpre os critérios!" Os critérios, claro, são uma coisa misteriosa e movediça, como a definição de "bom gosto" numa atuação da Sérvia. Incluem não ter letras explicitamente políticas (a menos que sejam suficientemente vagas), não incitar ao ódio (a menos que seja feito com uma melodia cativante), e não violar a "natureza apolítica do evento" — uma piada tão grande que merecia a sua própria novelty act.


E assim se constrói o paradigma Eurovisivo 2025: podemos expulsar a Rússia com o fervor de um key change dramático (e com toda a razão, diga-se), mas perante Israel, a resposta oficial é um shrug sonoro acompanhado de um "É complicado, queridos." É a política do "Um Apartheid Não Se Faz Em Um Dia" aplicada à indústria do entretenimento. A mensagem é cristalina: há conflitos que mancham a aura de paz e amor do evento, e há conflitos que… bem, que podem pelo menos gerar engagement nas redes sociais e umas quantas manchetes dramáticas. Ratings, meus caros, ratings!


Então preparemo-nos para a noite final. Enquanto os fãs acenam bandeiras e choram com as baladas, e os jurados trocam votos de forma suspeitamente geopolítica, a realidade lá fora — de morte, destruição e sofrimento inimaginável — será temporariamente suspensa. Será substituída por três minutos de pop otimista, uma coreografia sincronizada e a host sorridente a dizer, em inglês perfeito: "Que a música una-nos a todos!"


A ironia é tão espessa que se poderia cortá-la com uma faca de plástico da merchandising oficial. A Eurovisão, esse farol de kitsch e convivência, revela-se, uma vez mais, o espelho mais honesto do nosso continente: incapaz de tomar uma posição clara quando o custo é alto, especialista em criar palcos onde a dissonância cognitiva soa como uma melodia harmoniosa.


Portanto, sentem-se, peguem nas bandeirinhas e nas lágrimas fáceis. Vamos aplaudir a coragem da UER em manter o status quo. Vamos celebrar a união através da música. Mas não se esqueçam: nesta edição, o background mais impressionante não será a LED wall. Será o silêncio ensurdecedor sobre o que realmente está em jogo.


E o vencedor é… a hipocrisia, com 12 pontos de todos os jurados.


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