2004-12-02

A vingança

Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba


Mário de Sá Carneiro - Dispersão


Não sou, por natureza, uma pessoa vingativa. Não tenho a paciência resistente capaz de urdir tramas por longos períodos de tempo. Mais depressa expludo no momento, levando o que me aparecer pela frente, desvairadamente decidida, impulsivamente inoportuna, compulsivamente tresloucada. Depois acalmo. Como um rio que se apazigua depois de fazer bungy jumping numa catarata.

Este tipo de comportamento pode acarretar – e acarreta – consequências profundamente infelizes. Mas também é extraordinariamente verdadeiro. Não tem qualquer tipo de subterfúgio, nem pretende mais do que descomprimir uma irritação que me percorre o corpo inteiro, me cega para a razão, quer pôr tudo em pratos limpos, logo, no imediato, para depois seguir em frente.

No entanto, ainda que não procure a vingança e nem sequer me dê ao trabalho de a planear, a verdade é que o meu percurso de vida mostra-me que a vingança vem ter comigo. Ou seja, de todas as vezes que o meu instinto me fez explodir, ou tão só virar costas a determinada pessoa; de todas as vezes que alguém me quis provocar dano ou a outros que me são queridos; de todas as vezes que fui alvo de intrigas ou de ataques vis ao que mais prezo, mesmo sem ter tido necessidade de me vingar, a verdade é que acabei vingada de alguma forma.

Nunca urdi uma trama vingadora, mesmo que já me tivesse divertido a fazer planos que, rapidamente, esqueci. Mas o destino – se existe destino – sempre teve a gentileza de me pôr presente quando a vida deu para trás a quem me magoou. Pôs-me, inclusive, na posição interessante de ser eu a pessoa habilitada para resolver as confusões onde outros se meteram. Deu-me o prazer de ver ser cumprida por outros a vingança que era minha. E nunca deixei de ser uma simples espectadora.

Por incrível que pareça, parece que a vingança me cai do céu. Bem poderia ser dinheiro, ou a felicidade, ou apenas a água da chuva. Mas não! Anos que passem, sei bem que ainda há de vir o dia em que vou estar presente, rindo baixinho de mim para mim, a ver como a vida se encarrega de pôr todas as coisas no seu lugar.

E este é um exercício de paciência que, por não ter tramas nem urdiduras, nem me obrigar a planos elaborados e pacientemente implementados, sou bem capaz de praticar: a minha vingança não é minha filha, mas bem podia ser assim uma espécie de minha fada madrinha, que me concretiza os desejos que nem me atrevo a formular.



(O estranho, por estes dias, é ver como o País se diverte a ver como as elites da política atrofiam e se afundam. Agora ainda juntam o Futebol à festa. Num ápice, parece que a grande maioria dos portugueses descobriu aquele sorrisinho vitorioso de quem, de alguma forma, se sente vingado. E já não era sem tempo que nos dessem uma alegria...)

3 comentários:

Marta disse...

Tudo se paga:). Bom fim de semana

Hipatia disse...

Paga-se mesmo. O bom e o mau. E recebe-se em igual medida, mesmo que às vezes pareça que não :)

Bom fim de semana, Marta.

Hipatia disse...

On : 12/3/2004 10:58:00 AM Caliope (www) said:

Como diz um amigo meu:
"Um dia da caça, outro do caçador"
Beijo


On : 12/3/2004 12:40:54 PM Hipatia (www) said:

Isso mesmo

E todos os espertalhões acabam caçados... até o Pinto da Costa

Beijinhos


On : 12/6/2004 5:47:21 AM Caliope (www) said:

Achas que sim? Eu tenho ideia de que Portugal é o paraíso dos "chico-espertos".. E quem não o é (por opção ou por falta de arte), acaba sendo olhado como uma avezinha rara...


On : 12/6/2004 12:41:11 PM Hipatia (www) said:

Nah! Não acho que os portugueses sejam assim tão desenrascados... aliás, não me parece que esse tipo de esperteza seja muito hábil no Velho Continente a mais as suas garantias de Estado Providência e Justiça para todos e o blábláblá do costume. É bem mais típico de sociedades que, sábias, entendem que todas as velhas garantias estão aptas a que se lhes dê um jeito...

Até o nosso velho Sr. Cunha é uma valente nódoa quando comparado com os Cunhas de outros Países. Vê lá se o Tio Cunha-Sam não conseguiu até pôr um bêbado debilóide a chefiar o Mundo...