2005-01-20

Iridescência





Estou para aqui em silêncio a olhar para a página em branco, a pensar como a imagem de ontem ainda faz hoje tanto sentido. A ver as cores misturadas, confusas, gloriosas. E o estranho é que acabam por ser as cores predominantes no meu quarto, os tons quentes que me vestem os sonhos, a luz coada que me aquece a alma.

Por isso estranho a forma como nem hesitei em escolher uma imagem daquelas para falar de caos, para falar de dúvidas, para fazer das palavras questões. Porque não sinto dúvidas em cores que me são reconfortantes.

Gosto de vermelhos e laranjas, de amarelos suaves, de dourados pouco opulentos. Gosto dos verdes discretos e esperançosos, nem que se escondam numa jarra, ou na capa de um livro sempre perdido na cabeceira. Gosto dos azuis profundos, aveludados, para acalmar chamas incendiárias. E gosto dos negros porque sim, porque o escuro me permite contrastar tudo, a mim, com a luz e porque adelgaça as sombras que me limitam e me fascinam.

Talvez esta mania cromática seja uma forma desencantada para tentar ainda recomeçar, fazendo do corpo escala para um reencontro com uma qualquer pureza há muito desaparecida. Talvez esteja às vezes demasiado perdida, talvez às vezes sinta que já vivi demais. Talvez me sinta só demasiado embrulhada numa vida feita de estímulos sensuais e pressinta uma certo vazio na alma. Talvez as cores quentes sejam uma forma para reencontrar o toque, a pele, todos os sentidos, transformando-os no único caminho para um eu maior, um amor maior e, de certa forma, para a sabedoria.

As dúvidas de ontem são as mesmas de hoje. As cores que as representam também. Então, a imagem de ontem imigrou hoje para aqui. E aqui faz muito mais sentido...

Quanto às minhas dúvidas, vou levá-las, provavelmente, até à morte. Lá chegarei ainda a questionar-me sobre tudo e nada, sobre banalidades sem sentido. Será, talvez, a minha peculiaridade, a minha fuga, o meu caminho. E, quando lá chegar, espero ter conseguido viver as incertezas plenamente, desejando que a minha diferença seja o suficiente para que eu afirme, como um dia disse Augusto Hilário, "eu quero que o meu caixão / tenha uma forma bizarra". Mas não precisa ter a forma de um coração ou de uma guitarra. Basta que seja bem colorido e, se possível, se enovele em línguas de chamas iridescentes...


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aqui

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais Vozes

On : 1/20/2005 5:57:00 PM Caliope (www) said:

As palavras monocromáticas não fazem parte do teu universo...
São transparentes.. translúcidas...Cristalinas...
Há reflectido um arco-íris nos teus pensamentos....

Um caixão de luz.... é isso que quero ..... quando quiser.......

Beijinhos


On : 1/21/2005 6:38:09 AM Diálogos Interactivos (www) said:

Sabes Hipatia; há dias em que se acorda e está tão frio dentro de nós, e é tão bom chegar aqui e encontrar as tuas cores quentes, mesmo que melancólicas...obrigado !
Beijinhos


On : 1/21/2005 12:03:16 PM Hipatia (www) said:

Obrigada aos dois pelos (exagerados) elogios.


On : 1/21/2005 12:06:50 PM Hipatia (www) said:

Ups! Esqueci dizer à Caliope que sou mais para o "bicromática". No vestir, pelo menos. Gosto de combinar duas cores, normalmente um preto com outra coisa bem mais quente e garrida. Um vermelho, por exemplo, como hoje

E ao Diálogos esqueci dizer que, muitas vezes, é preferível ter apenas nas palavras a melancolia e para fazer o favor de não deixar o coração enregelar


On : 1/21/2005 3:16:29 PM Maria Branco (www) said:

Posso subscrever?
Também eu digo, é muito bom ter-te aqui...
Um beijo imenso!


On : 1/21/2005 3:37:31 PM Hipatia (www) said:

Podes

Beijo, Maria