Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.
José Carlos Ary dos Santos – Soneto
Não será só para empurrar o post desavergonhado para baixo. Não, nunca seria apenas esse o motivo. Mas também é motivo, como é óbvio. Mas há aquele vício de escrever palavras difíceis e adjectivos, como uma amiga antiga ainda agora me acusava.
E lembrei-me à conta disso como, por vezes, ainda parece mal falar de sexo, como se fosse vergonha ou como se, ao o reduzirmos à esfera do íntimo, do privado, ele não estivesse presente no nosso quotidiano, por vezes de formas muito pouco sub-reptícias.
Suponho que quem me lê é maior de idade. Até porque uso palavras difíceis e adjectivos, motivo bastante para afastar toda a geração smsês. E, depois, há os temas que me interessam, aqueles que me levam a escrever. E, muitos deles, implicam que exponha uma parte do que sou que, a mais das vezes, obriga-me a um esforço consciente de desnudo da alma. E esse sinto-o, sim, como bem mais completo, bem mais complicado, do que o desnudo do corpo.
Talvez por ver a adolescência cada vez mais distante, a nudez do corpo tornou-se bem pouco complicada para mim. Não sinto necessidade de falsos puritanismos na minha relação com o meu corpo ou com o corpo do outro. Na verdade, há várias coisas no meu corpo que não me agradam por aí além; mas também é verdade que já não as entendo como mácula, ou motivo de vergonha, ou sequer como razão para me sentir menor na minha sexualidade ou na minha presença no mundo ou para o mundo.
Como (quase) toda a gente, tive uma relação complexa com o corpo na adolescência, sentindo-me sempre gorda, sempre deformada, sempre mais feia do que os modelos estéticos que, de uma forma ou outra, a sociedade nos impõe. Com os anos, enquanto o corpo amadurecia e perdia parte da frescura juvenil, veio uma interiorização do seu real valor, do seu potencial, bem como uma capacidade para o aceitar e gostar dele só porque sim.
Há muito que deixei de ter complexos adolescentes ou qualquer tipo de impedimento moral que me fizessem desconsiderar o meu corpo, ou o prazer que com ele posso obter, só por força de qualquer tipo de mentalidade limitada e hipócrita. O meu corpo é parte de mim. Gostem dele ou não, seja bonito ou seja feio, é parte do que sou. A minha identidade começa nele. O toque com que meço o mundo, começa nele. O sexo faz parte do que ele pede e sabe dar. Sem vergonha. Porque, quanto a mim, se chego a ter vontade de dar o meu corpo a alguém, quero também receber e, num pas de deux assim, não há lugar, nem espaço, nem tempo, para gestos envergonhados e adolescentes.
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.
José Carlos Ary dos Santos – Soneto
Não será só para empurrar o post desavergonhado para baixo. Não, nunca seria apenas esse o motivo. Mas também é motivo, como é óbvio. Mas há aquele vício de escrever palavras difíceis e adjectivos, como uma amiga antiga ainda agora me acusava.
E lembrei-me à conta disso como, por vezes, ainda parece mal falar de sexo, como se fosse vergonha ou como se, ao o reduzirmos à esfera do íntimo, do privado, ele não estivesse presente no nosso quotidiano, por vezes de formas muito pouco sub-reptícias.
Suponho que quem me lê é maior de idade. Até porque uso palavras difíceis e adjectivos, motivo bastante para afastar toda a geração smsês. E, depois, há os temas que me interessam, aqueles que me levam a escrever. E, muitos deles, implicam que exponha uma parte do que sou que, a mais das vezes, obriga-me a um esforço consciente de desnudo da alma. E esse sinto-o, sim, como bem mais completo, bem mais complicado, do que o desnudo do corpo.
Talvez por ver a adolescência cada vez mais distante, a nudez do corpo tornou-se bem pouco complicada para mim. Não sinto necessidade de falsos puritanismos na minha relação com o meu corpo ou com o corpo do outro. Na verdade, há várias coisas no meu corpo que não me agradam por aí além; mas também é verdade que já não as entendo como mácula, ou motivo de vergonha, ou sequer como razão para me sentir menor na minha sexualidade ou na minha presença no mundo ou para o mundo.
Como (quase) toda a gente, tive uma relação complexa com o corpo na adolescência, sentindo-me sempre gorda, sempre deformada, sempre mais feia do que os modelos estéticos que, de uma forma ou outra, a sociedade nos impõe. Com os anos, enquanto o corpo amadurecia e perdia parte da frescura juvenil, veio uma interiorização do seu real valor, do seu potencial, bem como uma capacidade para o aceitar e gostar dele só porque sim.
Há muito que deixei de ter complexos adolescentes ou qualquer tipo de impedimento moral que me fizessem desconsiderar o meu corpo, ou o prazer que com ele posso obter, só por força de qualquer tipo de mentalidade limitada e hipócrita. O meu corpo é parte de mim. Gostem dele ou não, seja bonito ou seja feio, é parte do que sou. A minha identidade começa nele. O toque com que meço o mundo, começa nele. O sexo faz parte do que ele pede e sabe dar. Sem vergonha. Porque, quanto a mim, se chego a ter vontade de dar o meu corpo a alguém, quero também receber e, num pas de deux assim, não há lugar, nem espaço, nem tempo, para gestos envergonhados e adolescentes.
2 comentários:
pois...
:)))
On : 1/31/2005 2:39:03 PM ocidental-acidental (www) said:
curiosidade...
On : 1/31/2005 2:44:44 PM Hipatia (www) said:
?...
On : 1/31/2005 3:12:28 PM vanus de Blog (www) said:
Hum..Hum...estou a ver que aquela corzinha de fim de ano está a dar resultado, ai está, está
On : 1/31/2005 3:22:21 PM Hipatia (www) said:
lolada! Só tu, miga. Quase me engasguei
On : 1/31/2005 6:14:27 PM Caliope (www) said:
A isso se chama maturidade..
E o re-encontro com o nosso eu... Aquele que se esconde por detrás das máscaras, dos veús.... das roupas....
E só quando desnudamos a alma, amamos o que somos e nos damos a amar ao outro que sempre nos conheceu...
On : 2/1/2005 11:57:04 AM Hipatia (www) said:
Acho que tem mesmo a ver com maturidade, sim. Com um conforto que se encontra na nossa pele e que, antes, não conhecíamos, tal era a necessidade de nos integrarmos, de alguma forma, nos diferentes grupos com que nos cruzávamos. A maturidade traz-nos também essa independência: mesmo que nos seja necessário ainda conseguir aceitação, pelo menos essa não acontece porque nos enfiamos num padrão, sejam as calças com os buracos exactamente no mesmo local, os penteados copiados, um qualquer uniforme dread que nos põe a salvo porque nos dilui na multidão.
beijinho
On : 2/1/2005 1:05:20 PM vague (www) said:
:):)
On : 2/1/2005 1:09:38 PM Hipatia (www) said:
Já me passou a idade do pasmo, não é Vague
On : 2/3/2005 1:52:14 PM frogas (www) said:
Provavelmente com bastante mais idade que tu, aqui este velhote ainda se vai por vezes sentindo atraiçoado por um espelho que lhe retira a confiança, são dias, e dias existem em que a vontade de agradar é tal, que tudo em que pensava acreditar se desvanece.
Não penso como tu que essa confiança que também eu já deveria ter dependa da aprendizagem, depende no meu caso pessoal das minhas vontades, e essas marotas nem sempre se conseguem conciliar com o desejo de conquistar a atenção de quem poderá não ter aprendido o mesmo que eu
Quantas vezes não terei meditado em qual o pé mais conveniente para me aproximar de uma possível conversa ou qual a primeira palavra mais conveniente para não por fim a um possível futuro conhecimento.
On : 2/3/2005 3:34:37 PM Hipatia (www) said:
Todos queremos agradar, não é? Faz parte da nossa necessidade de sermos aceites e amados...
Não sei a tua idade, velhote Sei que estou na primeira metade dos trintas e que isso nem me pesa em demasia. Sei também que há dias em que me olho ao espelho e me sinto muito poucochinha. Só que aquilo que só a idade me ensinou é que essa insegurança tem muito pouco a ver com o meu corpo. Não podia continuar a culpar o meu corpo - como fiz durante muitos anos - pela forma deslocada como sempre me vi no mundo. E, óbvio, essa insegurança existe ainda, nomeadamente quando penso na melhor postura num determinado ambiente, ou qual a forma de não parecer deslocada numa conversa. Isso acontece-me até hoje. Pareço surpreender as pessoas por não ser tão burra como estariam à espera. Muitos amigos já me chamaram à atenção por causa desta minha insegurança mas, confesso-te, acho mesmo que, de alguma maneira, tenho ar de loira burra, sem nem loira ser.
E as inseguranças trouxe-as também para a virtualidade e talvez por isso passo tanto tempo só a ler blogs sem ganhar confiança para comentar. Só que não é culpa do corpo que vejo (ou nem vejo lá muito bem, que depende mesmo das manhãs e dos humores) ao espelho todos os dias.
Mas, olhando para trás, recordado o meu corpo adolescente que tanto odiei e olhando este corpo de agora que aprendi a amar, sinto que deitei tempo fora com uma insignificância. Quanto às inseguranças de agora, sinto-as quase como uma precaução mais do que necessária. Evitam as imprudências e, de certa forma, salvam-me também de confrontos. Até com essas já aprendi a conviver, mesmo que muitas vezes me moam
Gostei de te ler aqui, Frogas. Gostei mesmo muito
On : 2/4/2005 7:05:28 AM frogas (www) said:
Satisfaz-me bastante que te agrade a visita do velhote, eu ao contrário de ti não tenho muito por habito passear pelos blogs, mas atendendo a alguns comentários teus nos enresinados senti a tentação de saber mais sobre a personagem hipatia
Para além disso quer me parecer que lá para os meus lados já criaste um clube de fãs
Independentemente dos habituais salamaleques fica desde já a promessa de que por aqui irei voltar, e se vou voltar, é porque gostei e muito do que vi.
Quanto à tua idade, se somares aos poucos anos que passas dos trinta aquilo que te falta para os quarenta e se ao resultado dessa soma acrescentares os primeiros trinta obténs a resposta à tua pergunta
A restante parte da tua resposta ao meu comentário não me atrevo a comentar, não consigo desenrolar esse novelo das inseguranças de que falas com a clarividência com que terminas o teu comentário
Quanto ao ar de loira burra: posso te garantir que não gostaria de estar na pele daqueles que por algum motivo te transmitam essa sensação
On : 2/4/2005 5:53:52 PM Hipatia (www) said:
Não tenho tempo para responder como mereces. Só mesmo para dizer que li, que depois respondo, que agradeço...
On : 2/10/2005 4:52:00 PM Hipatia (www) said:
E vim responder, como prometido
Primeiro, para dizer que, para velhote, estás muito bem conservado. A idade está na nossa cabeça, bem mais do que no nosso corpo. E, pelo que te tenho lido desde há uns meses largos, estás mesmo muito bem conservado.
Não me sinto nada clarividente. Mas sinto-me, muita vez, muito melhor hoje do que quando - por diferentes padrões - até estava melhor. Mas não me sinto envelhecida e o corpo também parece ainda não se sentir, mesmo que lhe fuja já parte da frescura de outros tempos. O corpo e eu amadurecemos e - talvez por também eu gostar mais de frutos maduros e sumarentos - gosto de mim assim.
E, sim, tens razão: não é nada agradável fazerem-me sentir burra, sem nem sequer abrir a boca. Correndo com os falsos pruridos, digo-te que burra foi coisa que nunca fui. Ingénua, talvez, mas burra não. E odeio que me tentem pôr uma etiqueta sem nem bem me conhecerem. Lembro-me de um Professor na Universidade a dizer "você escreve muito bem; surpreendeu-me" e eu a retorquir "se ficou surpreso, a culpa é sua..."
Beijinho
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