2006-07-27

Será que podemos deitar o Rio ao rio?


Carlos Romão

(...) aquela - tão difícil de explicar - condição subjectiva de participar de um território dos vivos e dos mortos(...) Uma comunidade que está no sangue, nas dores, nos sentimentos de cada um.

Hélder Pacheco


Carlos Romão


Uma esquina e lá estão as pedras levantadas. Outra esquina e não há passeios... só obras. Mas, no meio de tanta obra, a Obra é demasiado pobre. Que estão fazendo ao meu Porto? Que nos sobra?

Fica a ideia mitificada da velha urbe "donde houve nome Portugal", das glórias passadas, representadas e aplaudidas hoje nas glórias do futebol: "O Porto é uma naçom!" E fica o resto, lembrado, cantado, nas vozes de Sérgio Godinho, GNR, Rui Veloso... E fica o granito, cinzento, cada vez mais triste, mesmo de cara lavada e privilégios de património mundial. E ficam os problemas sociais de bairros degradados, por entre as evidências de tráfico de droga, memórias de corrupção policial e tudo o mais que, de facto, "nos oculta o mistério" desta terra. E ficam as casas degradadas, a que já não se pode mudar a traça, as ilhas ao alto da habitação social para onde se "empurrou" a população dos Guindais, depois de a enxotar das barracas com vista panorâmica para o Douro. E ficam as pontes: a memória em baixo relevo da que caiu, a beleza de ferro das que, centenárias, ainda se mantêm de pé e o cimento armado dos projectos de Edgar Cardoso, que todos esperavam que caíssem. E fica a nova Infante D. Henrique, gémea perfeita, já que a do Freixo é outra história: falta o arco, tem demasiados pilares a fender o rio e pouca altura para fazer sombra às companheiras. E ficam as ruas esventradas onde passa agora o metro. E fica este horripilante arranjo aos Aliados, cinzento, triste, morto. Eu gostava das flores. Gostava tanto daquelas flores!

E fica, sobretudo, para cada tripeiro, a memória e o amor à terra em que se nasceu, mesmo que uma visita guiada ao Porto que hoje temos deixe saudades profundas do Porto com que sonháramos.

6 comentários:

joshua disse...

A minha saudade de um Porto sonhado é também uma saudade nascida de um sonho em segunda mão, mas não menos intenso, porque bebido directamente do modo como a geração dos nossos pais vivia a cidade: a circulação pelos seus espaços culturais, gastronómicos, o modo como a memória se perpetuava nas tertúlias de gente que sabia conversar, pensar-se e pensar localmente, o modo como a noite era deles também em cafés e tabernas que parecia que nunca fechavam.

A vocação do Porto é cultural, passa muito pela música e por todas as outras manifestações. Penso que um Rio a este nível sensível só capitalizaria para a cidade as vantagens que a sua gestão apertada e prudente pretende obter apenas com contenções contidas e prudências prudentes.

A imagem que eu tenho da Madrid nocturna onde qualquer 'calle' parece um rio de gente, da fauna humana mais diversa, descendo em direcção às avenidas e certamente aos focos de vida nocturna de todo o tipo durante toda a santa noite, num fluxo de enchente imparável era algo que eu adoraria ver reproduzido à escala da nossa cidade: vida por vinte e quatro horas, uma cidade irresistível à noite, uma cidade em S.João todo o ano, em estado de S.João todo o santinho do ano.

Mas isto exige ousadia e um espírito mais largo que a sovinice que está a dar. Todos os défices estão a asfixiar a criatividade mais promissora e talvez por isso mesmo rentável.

Não há nada hoje que se exorcize mais que um défice e é precisamente para a glória de um défice sob controlo que se gerem governos e autarquias.

O problema é o deserto que fica.

Luis Duverge disse...

Falando do Porto podes alargar ao resto do País, então os orçamentos derrapam sempre, não sei que óleo põem mas ninguém é chamado a repôr.
Respondendo ao teu pedido deixo aqui dois links que vais gostar um de telepatia birtual:
http://kardini.fateback.com/telepatiav.htm
e outro para mandares ao Rio ou ao rio, mas eu como aprecio, fico a aguardar uma resposta tua:
http://www.housesatsagaponac.com/

Beijo e bfds.

Anónimo disse...

Às vezes, que falta me faz um Porto alegre.

Hipatia disse...

Não questiono a gestão apertada e economicista, sabes? Acho que era necessária. Muito menos questiono a vontade de não ficar refém dos interesses do costume. Mas cabe também a um presidente de câmara proteger a cidade. E acho que não a protegeu, no que toca aos Aliados. Deixou que Siza e o Metro matassem o canteiro florido que era um cartão de visitas do Porto. E ficou tudo só mais cinzento :(

Haverá vontade de sair à rua e ir passear para estes Aliados?

Hipatia disse...

Por todo o lado, há uma mania de fazer rotundas que me deixa vesga, Luís. E má gestão. Mas no Porto até que as contas têm andado mais ou menos controladas, segundo parece. Não é tanto por aí. É antes o que fica por fazer e que não é só justificado pela engenharia financeira :S

E gostei mesmo. Aquela coisa dá sempre certo, lol. Obrigada :)

Hipatia disse...

Mas o Porto nunca é realmente triste, não é, Dakini? Só fica mais triste. Mas a cidade deve pouco à tristeza, apesar dos seus cinzentos. Talvez por isso seja tão fascinante :) E, no fundo, os homens vêm e vão (até os políticos) e a cidade sobrevive. Contra eles, se preciso for ;-)