Once you've fallen from classical virtue
Won't have a soul for to wake up and hold you
Rufus Wainright - Poses
Da música não vou falar, mesmo tendo sido a música magistral. Falo antes da atitude, da simpatia. Falo da surpresa pressentida em quem vê a casa cheia. "Uau!" Sim, uau!, quando as luzes iluminaram a assistência e mostraram a casa à pinha. Um uau! para nós, que o fomos ver, bater palmas, pedir mais. E acho que o conquistamos logo nesse primeiro momento e de como isso ficou notório nas promessas sucessivas do regresso com a banda.
Falo das histórias. Da conversa que minguou a sala, a fez acolhedora, tornou as cadeiras suportáveis. Falo da delicadeza e da opinião política que há sempre espaço para expor. Falo das três vezes que regressou ao palco e de uma voz que não se cansa, um vozeirão sem artifícios, o cantar sem rede, a solo, perdido no meio do palco, sem se esconder nem atrás do piano, nem atrás da guitarra. Falo das pernas abertas para melhor sustentar o corpo, ou de uma mão que se ergue do teclado para melhor ajudar a sustentar um agudo.
Falo do homem-menina (sim, menina, não há engano) e de toda a sua ternura, da quase vergonha com que confessava ser verdade escrever muito sobre pessoas que já morreram. Ou da forma como se mostrou agradavelmente surpreendido, depois do gelo da Holanda e da Bélgica, por aterrar num país que o faz sentir-se sexy. Ou da homenagem ao amigo morto, que não se coibiu de confessar que odiara, num misto de inveja e admiração, e a forma como encadeou a canção inspirada em Jeff Buckley no "Hallelujah". Ou a confissão envergonhada de ter escrito um solo de piano com que nos brindou aos catorze anos. Ou como os cabelos escuros da maioria do público lhe recordavam a mãe. Ou porque não vai aparecer vestido de Bela Adormecida - a tal a quem é prometida a felicidade eterna junto do Príncipe Encantado - na capa do álbum e prefere travestir-se de mulher violada que canta as suas lamúrias até à morte.
Ou se calhar até falo da música também, porque tudo foi música na Aula Magna. Até os beijinhos distribuídos sem pudor a cada entrada e saída de palco, como já tinha feito na FNAC do Chiado. Por ter cantado melancolia de bom humor. Da forma como cantou palavras simples que nos entram até ao coração, com um vozeirão que nos deixa sem ar. Ou como, no fim, ainda apetece dar colo, fazer festinhas, ao homem-menina que não tem medo das suas fraquezas, dos seus sorrisos, das suas mágoas e nos surpreendeu com um sorriso sem reservas.
(obrigada, M.J.)
Won't have a soul for to wake up and hold you
Rufus Wainright - Poses
Da música não vou falar, mesmo tendo sido a música magistral. Falo antes da atitude, da simpatia. Falo da surpresa pressentida em quem vê a casa cheia. "Uau!" Sim, uau!, quando as luzes iluminaram a assistência e mostraram a casa à pinha. Um uau! para nós, que o fomos ver, bater palmas, pedir mais. E acho que o conquistamos logo nesse primeiro momento e de como isso ficou notório nas promessas sucessivas do regresso com a banda.
Falo das histórias. Da conversa que minguou a sala, a fez acolhedora, tornou as cadeiras suportáveis. Falo da delicadeza e da opinião política que há sempre espaço para expor. Falo das três vezes que regressou ao palco e de uma voz que não se cansa, um vozeirão sem artifícios, o cantar sem rede, a solo, perdido no meio do palco, sem se esconder nem atrás do piano, nem atrás da guitarra. Falo das pernas abertas para melhor sustentar o corpo, ou de uma mão que se ergue do teclado para melhor ajudar a sustentar um agudo.
Falo do homem-menina (sim, menina, não há engano) e de toda a sua ternura, da quase vergonha com que confessava ser verdade escrever muito sobre pessoas que já morreram. Ou da forma como se mostrou agradavelmente surpreendido, depois do gelo da Holanda e da Bélgica, por aterrar num país que o faz sentir-se sexy. Ou da homenagem ao amigo morto, que não se coibiu de confessar que odiara, num misto de inveja e admiração, e a forma como encadeou a canção inspirada em Jeff Buckley no "Hallelujah". Ou a confissão envergonhada de ter escrito um solo de piano com que nos brindou aos catorze anos. Ou como os cabelos escuros da maioria do público lhe recordavam a mãe. Ou porque não vai aparecer vestido de Bela Adormecida - a tal a quem é prometida a felicidade eterna junto do Príncipe Encantado - na capa do álbum e prefere travestir-se de mulher violada que canta as suas lamúrias até à morte.
Ou se calhar até falo da música também, porque tudo foi música na Aula Magna. Até os beijinhos distribuídos sem pudor a cada entrada e saída de palco, como já tinha feito na FNAC do Chiado. Por ter cantado melancolia de bom humor. Da forma como cantou palavras simples que nos entram até ao coração, com um vozeirão que nos deixa sem ar. Ou como, no fim, ainda apetece dar colo, fazer festinhas, ao homem-menina que não tem medo das suas fraquezas, dos seus sorrisos, das suas mágoas e nos surpreendeu com um sorriso sem reservas.
(obrigada, M.J.)
5 comentários:
caramba! dois sistemas de comentários...
tens preferência por algum ou o que interessa é o que se escreve? :)
Engraçado ter notado que, de todos os que foram ver o Rufus e escreveram sobre isso (incluindo eu), o menos falado foi precisamente as músicas em si.
Eu passei o concerto todo a suspirar. No fundo só a presença do homem-menina encheu-me as medidas. O todo o resto transbordou em silêncio, emoção e aplausos.
Fez-me lembrar um antigo amor impossível... :)
beijinhos*
O que importa é o que se escreve, como é óbvio :)
(como este sistema de comentários tem dias em que se arma em esquisito, instalei um que me parece bem mais simples de usar)
Quanto ao Rufus... bem, surpreendeu-me pela positiva, mesmo gostando tanto dele. Gostei da atitude em palco. Da simpatia. Do sentido de humor.
Um amor antigo não me lembrou. Mas lembra-me sempre pessoas para quem fui refúgio, colo, panaceia. Daqueles amigos que todos temos - e de quem gostamos muito, muito mesmo - mas a quem não resistimos a tratar de um jeito maternal.
Gostei de o ver "menina" sem complexos, simpático sem pedantismos, "star" sem vedetismos. E há aquela voz... Fiquei enfeitiçada pelo todo. A música foi bem mais do que os acordes que se soltavam da guitarra ou as notas que escapavam do piano de cauda. Todo ele foi poesia e música em palco. Desarmante na capacidade de fazer de coisas complicadas as mais simples e tocantes de todas.
Lá para Fevereiro ou Março teremos mais? Espero bem que sim!
Beijinhos
a mim fez-me lembrar outra vez que a alma humana existe... Fez-me sentir uma melancolia associada a outras emoções mto belas... Fez-me sentir bela tmbm... por estar lá, a vê-lo, a aplaudi-lo, a fazer parte de um ritual qualquer esquecido... Fez-me sentir em casa... Aquele palco era a sua sala e nós os amigos que convidara para contar histórias, piadas e até desabafos... aquele era o miúdo despido de artifícios a brincar e a divertir-se connosco maravilhados com a sua voz que toca o divino...
Não consigo deixar de repetir q este concerto foi belo demais... Não me interessa dizerem q o som estava mau (não dei por nada), que o facto de ser sem banda retirou-lhe algo (qndo for com banda devo ir directa para o hospital com uma paragem cardíaca :D)...
Quando se tem um dom como este que Rufus tem, só podemos suspirar e prestar vassalagem, seja ele menina, menino ou alien... Seja o que for é belo demais :)
bjcs, gostei de te conhecer!
Sabes, uma das coisas que mais me surpreendeu foi exactamente a forma como fez da sala da Aula Magna um pequeno espaço, onde se podia estar entre amigos. Penso que ficou genuinamente surpreendido por ver tanta gente. Que nem a FNAC a transbordar, nem qualquer informação que lhe tivessem dado previamente sobre o número de bilhetes vendidos, o haviam preparado para um público tão disposto a partilhar umas horas com ele. E quando viu um público rendido, rendeu-se também.
Nunca o imaginara tão sorridente, tão bem disposto a cantar a alma da forma como só ele faz. (Não pude ir a Paredes de Coura. Felizmente, pelo que me dizem.) E penso que teve a ver com a empatia que se gerou naquela sala. Todos nós ouvimos pedaços da nossa alma, despojadas e ricos ao mesmo tempo, partes de nós, algumas doloridas, algumas perigosamente perenes. E isso é um dom que só os grandes intérpretes possuem. O Jeff Buckley tinha... A homenagem foi belíssima, justíssima. E, no entanto, nem os comparo. Nunca os ouvi no mesmo estado de humor.
Também não dei conta de o som estar mau. Talvez estivesse sempre demasiado invejosa daquele fulano de cabelo (mal) pintado que lhe podia chegar a guitarra. Ou então em transe com a voz do homem.
Quanto à banda... bem, claro que vou querer vê-lo ao vivo com a banda. Mas uma das coisas que mais gostei no concerto foi exactamente a forma despojada, sem rede, como surgiam quer a voz quer os instrumentos. E o último encore, então... mamma mia!
(Lá para a Primavera vamos encontrar-nos, provavelmente, nas urgências de um qualquer hospital, sem palavras e de olhos vidrados, a suspirar: Rufus, Rufuss, Rufussss, Rufussssss ;) )
Também gostei muito de te conhecer.
Beijos
Claro que a música presta!
Faz favor de ir ao mail, vai amostra ;)
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