Quando entrei na faculdade de Letras não logrei engrossar a magra lista de população masculina que ali frequentava as aulas. Na realidade, havia mesmo aulas onde estava sozinho com muitas meninas, outras onde tinha mais um, ou dois, no máximo três, colegas. Até aí não existia grande problema, é certo. O pior eram as meninas.
De cabelos castanhos mais ou menos sempre apermanentados, espigados, grossos e informes, vestiam calças de ganga nova sem marca, largas nas ancas já de si generosas e a afunilar nos tornozelos criando o efeito de saca de ervilhas virada ao contrário. A finalizar o local onde deveria estar o laço a atar a boca da saca, calçavam sapatos sem cor e sem salto, em tudo parecidos com os dos homens, salvo no número. No Inverno usavam camisolas grossas tricotadas por elas próprias no intervalo do estudo, cremes, verdes ou mesmo encarnadas com um desenho em relevo na parte da frente a cor de rosa, habitualmente de um ursinho, mas não era obrigatório. Por baixo um camiseiro branco do qual só apareciam os bicos da gola, bordeados com uma rendinha grená. No Verão, camisas brancas ou às riscas metidas para dentro da base da saca. Muitas vezes era possível ver por inteiro o camiseiro do qual já conhecíamos as golas.
Nas faces destituídas, ignorantes, na verdade, de maquilhagem, brilhavam algumas borbulhas, e as olheiras negras e fundas denunciavam as horas roubadas ao sono para completar ignóbeis trabalhos levados a cabo com afinco.
Nunca saíam à noite, não bebiam álcool, muito poucas fumavam cigarros, não iam ao cinema, e embora estivessem num curso de literatura, olhavam-me com estranheza quando me ouviam afirmar que andava a ler um livro que não constava de um qualquer programa. Porque elas não concebiam que se tivesse prazer em ler. Referiam-se à faculdade por "esta casa". E andavam sempre a copiar citações que lhes diziam ser importantes. Penso que em casa produziam, à mão, diversas cópias do mesmo. Para não se esquecerem.
O objectivo de todas era estudar muito, ter notas boas, fazer muitos trabalhos, terminar o curso. Nada de errado com isso, claro, se tal objectivo não se encontrasse tão isolado num universo desertificado de interesses. Penso que nem sabiam conversar, e escrever não sabiam com certeza e andavam sempre a correr atrás de um caderno qualquer. Duas ou três tinham um namorado na GNR. Ou um pai, já não me lembro...
Hoje, coloco aqui um texto de um amigo querido e especial, que um dia me contou os seus traumas enquanto um homem entre mulheres.
Quanto a mim, sobra-me, pelos vistos, o prazer de não ter frequentado a Faculdade de Letras, ou então acabava com um namorado na GNR, provavelmente a caminho do Iraque ou do Afganistão.
Mas admito que teria gostado muito de partilhar o curso com este meu loiro querido. Não vou dizer o nome dele, como é óbvio. Apesar de tudo o que é dito, ele merece a privacidade possível. É que nem gosta de blogues...
E agradeço-lhe a permissão para colocar neste cantinho um texto tão divertido e tão rico nos seus pormenores.
Para ti, meu amigo, se cá vieres, deixo-te aquele beijo especial que a distância faz tardar. E um abraço apertado de saudades. Que ainda saberei ser outra vez um "Papão", mesmo que tu me prefiras uma "Freddie". Sabes bem que tenho os dois em mim.
De cabelos castanhos mais ou menos sempre apermanentados, espigados, grossos e informes, vestiam calças de ganga nova sem marca, largas nas ancas já de si generosas e a afunilar nos tornozelos criando o efeito de saca de ervilhas virada ao contrário. A finalizar o local onde deveria estar o laço a atar a boca da saca, calçavam sapatos sem cor e sem salto, em tudo parecidos com os dos homens, salvo no número. No Inverno usavam camisolas grossas tricotadas por elas próprias no intervalo do estudo, cremes, verdes ou mesmo encarnadas com um desenho em relevo na parte da frente a cor de rosa, habitualmente de um ursinho, mas não era obrigatório. Por baixo um camiseiro branco do qual só apareciam os bicos da gola, bordeados com uma rendinha grená. No Verão, camisas brancas ou às riscas metidas para dentro da base da saca. Muitas vezes era possível ver por inteiro o camiseiro do qual já conhecíamos as golas.
Nas faces destituídas, ignorantes, na verdade, de maquilhagem, brilhavam algumas borbulhas, e as olheiras negras e fundas denunciavam as horas roubadas ao sono para completar ignóbeis trabalhos levados a cabo com afinco.
Nunca saíam à noite, não bebiam álcool, muito poucas fumavam cigarros, não iam ao cinema, e embora estivessem num curso de literatura, olhavam-me com estranheza quando me ouviam afirmar que andava a ler um livro que não constava de um qualquer programa. Porque elas não concebiam que se tivesse prazer em ler. Referiam-se à faculdade por "esta casa". E andavam sempre a copiar citações que lhes diziam ser importantes. Penso que em casa produziam, à mão, diversas cópias do mesmo. Para não se esquecerem.
O objectivo de todas era estudar muito, ter notas boas, fazer muitos trabalhos, terminar o curso. Nada de errado com isso, claro, se tal objectivo não se encontrasse tão isolado num universo desertificado de interesses. Penso que nem sabiam conversar, e escrever não sabiam com certeza e andavam sempre a correr atrás de um caderno qualquer. Duas ou três tinham um namorado na GNR. Ou um pai, já não me lembro...
Hoje, coloco aqui um texto de um amigo querido e especial, que um dia me contou os seus traumas enquanto um homem entre mulheres.
Quanto a mim, sobra-me, pelos vistos, o prazer de não ter frequentado a Faculdade de Letras, ou então acabava com um namorado na GNR, provavelmente a caminho do Iraque ou do Afganistão.
Mas admito que teria gostado muito de partilhar o curso com este meu loiro querido. Não vou dizer o nome dele, como é óbvio. Apesar de tudo o que é dito, ele merece a privacidade possível. É que nem gosta de blogues...
E agradeço-lhe a permissão para colocar neste cantinho um texto tão divertido e tão rico nos seus pormenores.
Para ti, meu amigo, se cá vieres, deixo-te aquele beijo especial que a distância faz tardar. E um abraço apertado de saudades. Que ainda saberei ser outra vez um "Papão", mesmo que tu me prefiras uma "Freddie". Sabes bem que tenho os dois em mim.
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