2005-12-26

Teia

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

Natália Correia - Auto-retrato



Quase sufoco na vontade que tenho de contar-te como foi. Mas fico calada. Não digo! Dou-te a provar o suave veneno da espera curiosa, enquanto me amofino neste silêncio que, por teimosia, escolhi.

1 comentário:

Hipatia disse...

On : 12/26/2005 6:03:53 PM Gaivina (www) said:

A Natália Correia era uma mulher muito interessante....
Mas deixem-me contar uma curta história com um pouco picardia...
A Natália Correia tinha um bar, muito in na época, chamado o Botequim, ali para os lados da Graça, em Lisboa.
Penso que era todas as quintas feiras que o bar se enchia, a abarrotar de figuras públicas, á epoca.
Eu era apenas um estudante de artes, numa escola que ficava mesmo ali ao lado...
Mas, uma noite, desfiado por um professor que bem conhecia as lides....lá fui.
Senti-me fora do ambiente e agarrei-me a um scotch num cantinho tranquilo.
Vi dois gajos, ali perto, com muito boa pinta, lenço palestiniano enrolado ao pescoço e botas gastas guarnecendo os pés.
E entabelei conversa com eles.
Embora sendo mais velhos, tiravam-me aquela sensação de não pertencer ali.
Conversa para aqui, conversa para ali, até que um deles me fez uma confissão :
-" O meu amigo não se zangue connosco....Mas, nós somos guarda-freios da Carris. Sabe? Ali mesmo no largo da Graça.
Como terminamos o turno a esta hora...sabe como é....a fome vai apertando. Como sabemos que esta Senhora organiza estas festas aqui perto, vestimo-nos à artista e entramos aqui no bar. Sabe como é...É o mata-bicho, e ninguém nos encomoda.


On : 12/26/2005 6:24:35 PM maria arvore (www) said:

Hipatia,
Sempre gostei deste verso da Natália "Por vezes fêmea. Por vezes monja." e pelos vistos, decidiste pelo voto do silêncio.
Quando começa a fuga?


Gaivina,
o que me fizeste rir!



On : 12/26/2005 9:29:20 PM maria pedro (www) said:

Não é teimosia; é vingança...


On : 12/27/2005 5:53:57 AM Bastet (www) said:

Conta, conta!!!


On : 12/27/2005 6:58:19 AM j.p. (www) said:

não contes, deixa-os a estrubuchar na morbidez


On : 12/27/2005 10:32:07 AM Gaivina (www) said:

Está cheio de erros de ortografia....eco das festas...


On : 12/27/2005 6:41:25 PM nuno albuquerque vaz (www) said:

má...


On : 12/28/2005 5:39:50 AM Bastet (www) said:

Gostei muito da história dos guarda-freios Gaivina! Estou certa que eu se por lá estivesse também seria com eles que entabularia conversa


On : 12/28/2005 7:56:09 AM Hipatia (www) said:

Gaivina

E, sabes, quer parecer-me que a melhor conversa seria mesmo com esses dois. É que só punham a farpela de artistas "por fora", ao contrário de tantos que a têm vestida "por dentro" e se esquecem do essencial: não temos de nos dar ares de importantes para o sermos


On : 12/28/2005 7:58:25 AM Hipatia (www) said:

Eu gosto muito deste poema, Maria Árvore. Diz muito do que é ser mulher e, de certa forma, é um hino à feminilidade e às suas contradições ("conforme a noite. conforme o dia")

Talvez o voto de silêncio seja para segurar umas quantas fugas Um pouquinho de charme e assim...


On : 12/28/2005 7:59:25 AM Hipatia (www) said:

Vingança não, Maria Pedro. Ainda não é preciso


On : 12/28/2005 7:59:52 AM Hipatia (www) said:

Não sejas curiosa, Bastet. Não sabes o que acontece ao gato?


On : 12/28/2005 8:00:18 AM Hipatia (www) said:

Para já, não conto mesmo, J.P.


On : 12/28/2005 8:00:39 AM Hipatia (www) said:

Percebe-se lindamente, Gaivina


On : 12/28/2005 8:01:09 AM Hipatia (www) said:

Má? Não! Só se me pedirem muito e com jeitinho, Nuno


On : 12/28/2005 2:02:50 PM nuno albuquerque vaz (www) said:

silencio por teimosia...má...palavras...todos queremos palavras...mesmo as nao ditas...


On : 12/28/2005 2:20:27 PM Hipatia (www) said:

As palavras que se calam são as mais perigosas, Nuno. Podem, no entanto, ser também as mais saborosas