Um bigode pequenino, um casaco apertado, umas calças largas, uns sapatos enormes, uma cartola estafada. Um olhar cândido e um sorriso. Um corpo franzino. Ai está: the tramp. Silencioso, sempre silencioso. Tão silencioso que recusou o avanço do sonoro durante mais de uma década. À sua volta, todos falavam já. Mas o pequeno vagabundo, o mais pobre dos pobres, não enchia os seus filmes com o som das palavras. Enchia-os de música. Música belíssima, para enquadrar cada sentimento com a expressão magnífica que não necessita de tradução. Tão grande a emoção que se lê na ligeireza dos corpos, na profundidade dos olhos, na gentileza de um perfil. The tramp. Charlie.
Charlie Chaplin apresenta-nos uma das primeiras vozes discordantes sobre as venturas do progresso. O pequeno espezinhado que nem um cigarro pode fumar sem que, em grande écran, lhe surja a imagem do patrão, qual Big Brother, remetendo-o de volta para o seu trabalho de rotina, a prisão dos gestos repetidos até se transformarem em reflexos espasmódicos, uma doença. E os ricos ficam mais ricos e o pobre vagabundo, rodeado de muitos pobres vagabundos de uma época de recessão, enfrenta a miséria maquinizada. Um senhor, tão grande que enfrenta a fome e a prisão, que se enfrenta a ele mesmo no ring de boxe, numa coreografia de murros contra o destino. O destino da pobreza ao toque do gongo. Não por ele: para arranjar dinheiro para a sua amada. No fim ela vê. E vê-o a ele, ainda que, mais do que os olhos, seja o toque da pele que reconhece, enquanto olha para aqueles imensos olhos cheios de pena, de dor e de esperança. Em silêncio ainda. E a música por trás. O vagabundo que parte sempre a caminho do destino, com uma bengalada no ar. Mais vagabundo hoje do que nunca, comendo atacadores para mitigar a fome, sem perder a esperança num novo dia.
O bigode. O pequeno bigode que abandonou depois de muitos anos. Matou-o com o som, levou-o apenas para um filme ainda, numa caricatura visionária ao que vozes endoidecidas do outro lado do Atlântico prometiam ser a redenção da raça. Será que Hitler alguma vez viu "O Grande Ditador"? Será que se reconheceu no ridículo da figura embigodada que dança aos pontapés ao mundo?
E os olhos. Grandes, aguados, cheios de ironia. Mas também cheios de uma vontade de pôr no celulóide o melhor de si: a criança que sobreviveu à fome, mas que não soube sobreviver à abundância, transporta para o mundo dos sonhos a esperança que perdeu algures. Os olhos estão lá ainda. A preto e branco. Claros, esclarecidos, cheios de fome por um mundo que não compreende ou, talvez, compreenda bem demais. Ficam em close-up, encarando o seu amor, ao som de música. Bela música. Música iluminada que nos enche de promessas de um dia, um qualquer dia, que será melhor.
Charlie Chaplin apresenta-nos uma das primeiras vozes discordantes sobre as venturas do progresso. O pequeno espezinhado que nem um cigarro pode fumar sem que, em grande écran, lhe surja a imagem do patrão, qual Big Brother, remetendo-o de volta para o seu trabalho de rotina, a prisão dos gestos repetidos até se transformarem em reflexos espasmódicos, uma doença. E os ricos ficam mais ricos e o pobre vagabundo, rodeado de muitos pobres vagabundos de uma época de recessão, enfrenta a miséria maquinizada. Um senhor, tão grande que enfrenta a fome e a prisão, que se enfrenta a ele mesmo no ring de boxe, numa coreografia de murros contra o destino. O destino da pobreza ao toque do gongo. Não por ele: para arranjar dinheiro para a sua amada. No fim ela vê. E vê-o a ele, ainda que, mais do que os olhos, seja o toque da pele que reconhece, enquanto olha para aqueles imensos olhos cheios de pena, de dor e de esperança. Em silêncio ainda. E a música por trás. O vagabundo que parte sempre a caminho do destino, com uma bengalada no ar. Mais vagabundo hoje do que nunca, comendo atacadores para mitigar a fome, sem perder a esperança num novo dia.
O bigode. O pequeno bigode que abandonou depois de muitos anos. Matou-o com o som, levou-o apenas para um filme ainda, numa caricatura visionária ao que vozes endoidecidas do outro lado do Atlântico prometiam ser a redenção da raça. Será que Hitler alguma vez viu "O Grande Ditador"? Será que se reconheceu no ridículo da figura embigodada que dança aos pontapés ao mundo?
E os olhos. Grandes, aguados, cheios de ironia. Mas também cheios de uma vontade de pôr no celulóide o melhor de si: a criança que sobreviveu à fome, mas que não soube sobreviver à abundância, transporta para o mundo dos sonhos a esperança que perdeu algures. Os olhos estão lá ainda. A preto e branco. Claros, esclarecidos, cheios de fome por um mundo que não compreende ou, talvez, compreenda bem demais. Ficam em close-up, encarando o seu amor, ao som de música. Bela música. Música iluminada que nos enche de promessas de um dia, um qualquer dia, que será melhor.
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