2004-12-30

O meu balanço

But beware my heart can be a pin
A sharp silver dragonfly
Trying to get my mansions green
After I've Grey Gardens seen

Rufus Wainwright – Grey Gardens


É um balança pessoal, com poucas referências para longe do meu umbigo. Talvez por isso seja meu. Talvez por isso só faça sentido na minha intimidade, nas coisas que nem aqui digo abertamente, nos sonhos que preservo inomináveis, nos terrores que me assombram e nos medos que me atrofiam.

É um balanço feito dor e feito esperança, feito mágoa e feito alegria. É um balanço incongruente ainda, que há trilhos que não se findam só porque o calendário muda.

Este foi um ano em que, à entropia agonizante que me condenava os dias, se juntavam janelas abertas de movimento. Foi um ano com um sabor agri-doce, tacteado, falhado tanta vez, mas nunca definitivo. Foi um ano banal, na minha vida banal.

Foi um ano em que a idade me pesou. A consciência de já ter idade bastante para saber o que não fazer e a falta de maturidade para evitar cometer erros imberbes. Foi o ano em que as cãs impuseram tinta aos meus cabelos e os rins impuseram limitações à minha dieta. O ano em que me senti doente e frágil e em que me recusei a ceder. Um ano em que pés cansados deixavam de ter espaço em sapatos cada vez mais apertados, mas ainda assim me impus dançar até ao raiar do dia. O ano em que tentei ser frágil muita vez, procurando o aconchego de um regaço onde pudesse ser protegida, sem no entanto ser capaz de me dar assim por inteiro à fragilidade que parece que não sei ter. Foi um ano em que me senti inútil, sem sonhos e sem projectos. Mas também um ano em que outros me impuseram como importante nas suas vidas. Foi um ano com poucas lágrimas minhas, demasiado poucas lágrimas minhas. Um ano cheio de lágrimas de outros e em que me senti simples espectadora das vidas e das paixões alheias.


A nível profissional, senti-me parada e inamovível, castrada muita vez, sem espaço para sonhar voos novos. E, ainda que as compensações monetárias tivessem uma progressão interessante, nem assim senti que se compensava a pequenez, a pacatez, a banalidade. A nível pessoal, senti-me seca, amarfanhada, como se me faltasse luz e capacidade para sonhar. Senti-me agrilhoada a fantasmas. Senti-me agrilhoada a mim. Sei que fui panaceia também enquanto, voraz, vampirizava sentimentos alheios. Mas não soube ainda voltar a aprender a sentir plenamente, sem pensar, sem comparar, sem pedir aquilo que não sei dar.

Entrei este ano que agora finda com um abraço apertado, mergulhada na certeza que tudo tem concerto, que há volta apesar de tudo. Pela Primavera procurava um projecto novo, vendo um projecto há muito acarinhado a afundar-se em esquecimentos e limitações que não explico. Tanto que a vontade se esfuma e espera o regresso de uma centelha pequenina para que volte a pulsar um dia. Por Agosto, tinha um blog e era Hipatia, lançando palavras para o vazio como pedras esquartejantes...

Este ano, solidifiquei amizades e fui ombro dos meus amigos, dei-me por inteiro, ainda que há distância – distância física, distância emocional –, mas fui jangada, fui bóia, fui razão e fui esperança. Neste processo, senti-me inteira de alguma forma, orgulhosa e lisonjeada, apaparicada e importante.


Este ano, conheci gente. Gente nova, gente diferente. Construi ninhos novos e embarquei no processo complicado de construir cumplicidades com futuro. Este ano, deram-me música e deram-me paz, deram-me palavras lindas, deram-me espaço. E deram-me gargalhadas gostosas e casa cheia e projectos com futuro.

E, este ano, eu dei-me também, de mansinho, a este canto onde escrevo, onde partilho, onde desvelo a minha voz.

De janela aberta, ainda, sonho a ciência possível da sabedoria antiga e do conhecimento novo.

Tenho a voz em fuga. Já não é só minha. É vossa também, vós todos que me visitais neste cantinho meu, meu umbigo egocêntrico, minha casa de partilhas.

A todos, um Feliz 2005.

Festa


Festa! Posted by Hello


Estava para aqui a pensar a que horas posso entrar em estágio.......

10, 9, 8, 7, 6, 5.......



(Oh raios! Ainda não é hoje.)

2004-12-29

Parabéns, miga


P(ara) L(inda) I(nigualável) miga Posted by Hello


Sabes bem que, se pudesse, te dava o mundo. Um mundo especial, cheio de luz.

Que tenhas um dia muito, mas mesmo muito, feliz.

2004-12-27

Horror


Foto CNN Posted by Hello



Horrorizada, sigo as notícias e os relatos da carnificina que a mãe natureza impôs, mais uma vez, sobre os seus filhos.

Pela Ásia já não há Natal. Só pilhas de mortos e cúmulos de dor. A terra tremeu como já não tremia desde 1964. Um nove numa escala de todos os abalos. Uma onda gigante, duas, quantas fossem, que parece que ninguém viu, neste nosso mundo vigiado 24 sobre 24 horas à procura de factos que fazem, fomentam as guerras, mas não conseguem salvar quem apenas quer viver em paz.

A terra tremeu, a água lambeu a terra, lambeu vidas, ceifou futuros. A terra tremeu e já só há dor e desespero e este sentimento rasteiro que nos percorre quanto nos vemos face à nossa finitude, face à nossa mortalidade.

E eu, por mais dolorida que me sinta perante as imagens, os números, de uma tragédia tão grande, não consigo deixar de pensar que estou abrigada e quente e em paz e que, cá em casa, houve Natal.

E, por mais envergonhada que fique, por mais doloroso que me seja confessá-lo, a verdade é que há uma frase que não me sai da cabeça, que me fere e, ainda assim, impõe-se na minha condição mais do que imperfeita. Uma frase com outro contexto, é verdade. Uma canção que já aqui referi:

(...)
And the Christmas bells that ring there

Are the clanging chimes of doom
Well tonight thank God it's them instead of you (...)*


Estou viva. Estou grata por estar viva. Estou grata por a tragédia ter sido lá longe. E quase me apetece pedir desculpas por senti-lo. E envergonhada o confesso, agradecida...

____

* Band Aid - Do they know it's Christmas

Tesouro

... o tesouro existe certamente, embora escondido por demónios brincalhões e continua impossível de encontrar nos labirintos das nossas perguntas e respostas...

Hugo Pratt – A Casa Dourada de Samarcanda


Tenho o peito transbordante de esperança e o coração pleno de bem-querer. Pudessem todos os dias frios da vida aquecerem-se neste manto de ternura que me cobriu. Pudesse eu ter estrelas por olhos e a lua por sorriso. Pudesse eu dançar na Via Láctea um tango com o sol. Soubesse eu caminhar entre nuvens, beijando com os pés o mar. Fossem todos os dias uma sina deste tamanho e a desdita nunca seria minha companheira.

Fado meu, feito esperança, meu tesouro...

2004-12-26

It's a wonderful life...

You want the moon?
Just say the word and I'll throw a lasso around it and pull it down.

In It’s a Wonderful Life (1946), de Frank Capra (história de Philip Van Doren Stern)


Todos os anos – nem parece Natal se não der na TV – temos o It’s a Wonderful Life como o filme dos filmes, o ícone representativo dos grandes valores e das pequenas penas do homem comum, dos seus tormentos e dos seus feitos, dos seus sonhos e da busca da importância relativa que, cada um de nós, tem no mundo.

George Bailey tem de chegar à beira do suicídio para descobrir que quem tem amigos nunca é pobre. Tem de questionar a sua importância para descobrir quem é. Tem de aprender a acreditar em milagres. Uma história simples, já tantas vezes recontada, mas que esquecemos sistematicamente. História moralista, educativa até, plena de esperança. História sobre a vitória do bem e da virtude sobre todos os oportunismos...

Há muito que esta é a história certa para o dia de Natal, quando ainda estamos imbuídos daquele estado de espírito carameloso que esta quadra nos impõe. Tanto que não questionamos nada. Tanto que, com o obrigatório final feliz, ficamos de bem connosco, já que todos temos a tendência para nos vermos nos sapatos do good old George. Não questionamos se merecemos ou não. Queremos é acreditar que merecemos, que também seremos merecedores do milagre feito à medida, mesmo que, daqui a uns dias, volte a ser claro para todos que, na vida real, as coisas más (também) acontecem às boas pessoas.

O que nunca chego a entender completamente é porque a fábula fica incompleta e o vilão não tem castigo. Porque o vilão não paga por nenhum dos seus pecadilhos e ainda fica a lucrar com o dinheiro que não lhe pertence. Já que é para ser um faz de conta, que seja o faz de conta completo: recompensa para os bons; castigo para os maus. Assim faria mais sentido, seria ainda mais perfeito. Saberíamos que em algum lugar, nem que seja no pais do faz de conta, todas as coisas têm o seu lugar e coisas boas acontecem às boas pessoas e coisas más acontecem às más pessoas. Mesmo que não fosse uma coisa muito, muito má: afinal, o espírito carameloso e calórico da época não nos permite nenhum elaborado plano a raiar o maquiavelismo. Mas um castigo haveria de haver. Para impunidade já basta a vida real...

Já sei, já sei... Estou a pedir a lua...

2004-12-24

Feliz Natal


xmas Posted by Hello


Paz.

Amor.

Amizade.

Saúde.

Felicidade.

Desejos concretizados.

Sonhos novos.

Esperança.

Prendas.

...e todas as tretas do costume...



Que por uma vez não sejam tretas!

2004-12-23

Post Amargo

De palavras não sei. Apenas tento
desvendar o seu lento movimento
quando passam ao longo do que invento
como pre-feitos blocos de cimento.


De palavras não sei. Apenas quero
retomar-lhes o peso a consistência
e com elas erguer a fogo e ferro
um palácio de força e resistência.


De palavras não sei. Por isso canto
em cada uma apenas outro tanto
do que sinto por dentro quando as digo.


Palavra que me lavra. Alfaia escrava.
De mim próprio matéria bruta e brava
--- expressão da multidão que está comigo.


José Carlos Ary dos Santos - Epígrafe



Temos cada vez mais uma sociedade de consumidores viciados, que encontram na compra de bens e serviços, de forma rápida e fácil, o aconchego que antes seria fácil encontrar numa conversa no colo do pai, da mãe, da avó, do avô... E os valores que antes eram transmitidos passam a ser também revisitados à luz de um facilitismo óbvio, baseado na recompensa no imediato.

Alega-se que não há tempo. Eu questiono-me sobre quanto tempo não há e para o quê. Tudo implica cedências. E estas cedências implicam escolhas. Escolhas óbvias acerca do que é ou não mais importante. E se for mais importante passar quatro horas às compras e mais duas ao telemóvel no paleio, em lugar de se redireccionar esse tempo para uma conversa em família ou para uma investigação, então as escolhas terão de ser assumidas. Mas se ninguém é educado para o prazer mediado, aquele que só se consegue mediante um esforço sustentado e árduo, então os valores que deveriam enformar a mentalidade do trabalho estão condenados. Fica assim justificado quase tudo...

À conta de uma série de incidentes com plágio que vieram à tona nos últimos tempos, li coisas, com ar de desculpa, que me deixam profundamente irritada. Para uns, o erro não pode ser evidenciado, já que "todos nós" também sacamos música da Net sem pagar direitos de autor; ou as fotocópias que já algum dia fizemos. Para outros, a desculpa será a imaturidade. Para outros ainda, a perseguição é feita com base em interesses de amigos que se coligam em facções, empolando o erro em função de claques, como se só isso justificasse a denúncia. Ainda há quem se desculpe com a falta de tempo e o difícil que é a vida hoje em dia... Desculpas não faltam!

A vida hoje em dia é difícil para todos. Ou quase todos, pelo menos. Mas antes também o era. Duvido que seja mais difícil tirar um curso hoje do que era há dez anos atrás. Aliás, a muitos níveis, parece-me até bem mais fácil. A recolha de informação está acessível em qualquer ligação à WWW, as bibliotecas virtuais, as Encartas, existem agora. Antes, era preciso ir mesmo para a fila de espera dos livros à moda antiga. Era preciso bater a portas para pedir opiniões. Ninguém tinha telemóvel. As entrevistas faziam-se olhos nos olhos e com um bloco de apontamentos onde se garatujavam as ideias principais. Os computadores eram uma miragem.

Antigamente, era preciso entender conceitos e saber transmiti-los. Não se escrevia smsês nem se culpava o trânsito pelas horas perdidas. Estudava-se no autocarro, ou no combóio. Não se jogavam gameboys, que não havia. Liam-se livros, ou os apontamentos das aulas. E andava-se mesmo de transportes públicos, que o hábito do carrinho aos dezoito anos é algo ainda demasiado recente.

Tudo, hoje em dia, está à disposição de qualquer miúdo para lhe facilitar a vida e lhe permitir aceder a todos os serviços e conhecimentos necessários. E, no entanto, perdeu-se pelos vistos o hábito de batalhar pelo que se quer. De tão fácil que é tudo, caiu-se no facilitismo e tudo o que dê um mínimo de trabalho é descartado.

Assim, torna-se fácil desculpabilizar o erro, encontrar mil razões, mil motivos. E ninguém parece aprender nada de novo com isso. Passa-se a mão pela cabeça culpada, transformando o infractor num coitadinho e pisoteia-se mais um pouco a moral à moda antiga, os valores, as consciências, o que é certo.

Dizia Borges que já tudo foi inventado. E penso que será com base nesse pressuposto que teremos que encarar o Mundo. Mas podemos sempre reinventar o nosso Mundo e ainda assim acabar com uma boa tese. O conceito pode não ser novo. Mas o fruto de um trabalho de investigação, a sua demonstração final, carecem de novidade para terem valor.

Ainda há bem poucos dias dizia na
Vanus que os léxicos são finitos. E, todos nós, acabamos por usar comummente uma fatia ainda mais finita do léxico, já que parecemos condenados a usar sempre um determinado conjunto de palavras, aquelas que conhecemos melhor, as que gostamos mais, as que fazem sentido para reflectir o nosso entendimento do mundo e o transmitir a outros.

Vivemos num mundo onde abundam as palavras mas, cada vez mais, se parecem esquecer conceitos. Como vivemos num mundo que adapta, deturpa, plastifica, muitos dos conceitos e muitas das palavras que os significam. Só não entendo qual é a dificuldade em entender a palavra "roubo", o seu significado...

Penso que funciona tudo com base na lei de menor esforço: a nossa sociedade encontrou e encaixilhou uma série de tópicos que é usual chamarmos difíceis: o primeiro emprego, a economia, o desenvolvimento, a despoluição, o trânsito, as obras, os buracos, etc, etc, etc. Em função destes, todos os outros esforços são desprestigiados. Assim, qualquer tópico que facilite a resolução de um tópico difícil, pode ser confortavelmente "adaptado" por forma a facilitar a vida.

Nesse sentido, se os pais trabalham demasiadas horas para conseguirem garantir um bom emprego e nível de vida e ainda passam mais não sei quanto tempo enfiados no trânsito à custa dos buracos, é fácil entender que se opte por comida take away e se despejem os putos nas escolas, nas aulas de dança, nas aulas de música ou tão somente em frente ao canal Panda. Se derem aos putos um telemóvel 3G e a nova playstation, ainda melhor. Está tudo desculpado, as consciências ficam tranquilas. E esses putos acabam habituados a conseguirem o que querem sem grande esforço, a conseguirem a recompensa no imediato. Uma recompensa física, claro, que as situações emocionais são, obviamente, bem mais complexas.

E ninguém aprende nada de novo. E ninguém se digna a fazer um bom trabalho, com brio. Porque cada vez se dá igual valor à cópia, ao fácil. Porque há desculpas para todos os enredos, todas as artimanhas, todas as canalhices.

Perde-se o respeito pelos outros, pelo trabalho dos outros. Faz-se um bonito à custa dos bonitos dos outros. Mas se não forem descobertos não há mal. Ninguém se importa. A culpa até é da sociedade. A culpa até é do trânsito, até é dos buracos. Até é daquele senhor que nunca conseguiu terminar nada e chegou a primeiro-ministro. Ou dos professores que não ensinam nada, enquanto os meninos falam ao telemóvel nas aulas. Ou a culpa é da Net, onde está tudo ali à mão, tão fácil de copiar. Ou da falta de legislação adequada que continua a perpetuar a impunidade. Ou se calhar até é culpa do tempo. Ou da chuva. Ou das aulas de dança. Ou da ginástica. Ou, ou, ou, ou....

Só não é nunca culpa nossa. Nunca! É que não tínhamos tempo, que o trânsito estava péssimo!

2004-12-22

Jantares de Natal


pois! Posted by Hello


Os jantares de Natal são uma instituição. São uma instituição tão enraizada que o difícil é arranjar onde jantar.

Mas, para beber, parece que o people arranja sempre sítio. Festa é festa, ora!

... fiz um intervalo na festa para descansar as papilas gustativas...
A que horas mesmo é que ficaram de me vir buscar?

Até amanhã, Net...

2004-12-21

Plágio

Como se pode citar vários posts de um blog, apropriar-se das estórias de um blog, dos textos de um blog, dirigir um mail ao autor do blog para perguntar pormenores porque se quer escrever um artigo de jornal sobre isso, o blogger responder de bom grado... e depois a estória ser publicada e não referir o blog em causa?

in Substrato

_________


Até quando vamos continuar a ser os parentes pobres da publicação de textos em Portugal. Se fosse o blog de uma personalidade prestigiada, ninguém se atrevia e até considerava elogiosa a referência blogográfica. Como é um desconhecido, não faz mal: «Ele nem vai reparar!»

in Arqueoblogo



Indignei-me com o que aconteceu à Marta, do Minha Alma, que viu os seus textos serem descaradamente roubados e publicados numa comunidade por um qualquer "dog" imbecil que anda pela Net a achar que o plágio pode ser tolerado, não é crime, fica sem castigo. Vi a Marta a deixar de escrever e a perceber como era perceptível que isso acontecesse. E, infelizmente, já não é a primeira vez que vejo alguém desistir por causa de ataques infames que lhes infligem. Felizmente – para todos aqueles que gostam de ver textos bem escritos, sentimentos à flor da pele, almas em tons translúcidos – a Marta está de volta.

Que isto acontece na Net já não é novidade. Que isto acontece, já não é novidade! Mas que um jornal de grande tiragem pactue com infâmias destas deixa-me doente. E foi o que "
O Público" fez. Ou melhor, é o que "O Público" não pára de fazer. Parece que um certo tipo de "jornalistas" (até me dói chamar-lhes tal, perante a total falta de ética e das mínimas noções de deontologia que esta gentinha reflecte) anda à caça das notícias nos blogues. Mas, depois, só se lembra da citação quando o autor é um figurão. Nos outros casos, trata de esquecer as aspas e fazer da roubalheira um ganha pão.

É uma vergonha, uma indecência. Nem tenho palavras. E a minha indignação cresce cada vez que me lembro que, mais uma vez, a impunidade será total e o crime voltará a ficar sem castigo. Que adianta legislação anti-plágio neste país se nem os casos mais flagrantes acabam devidamente castigados?

É grave, muito grave, o que aconteceu quer ao
Substrato quer ao Arqueoblogo!



(obrigada aos
Enresinados, onde descobri esta meada putrefacta)

2004-12-20

A morte fica-nos tão mal!


STOP Posted by Hello



Vêm aí as festas e, como todos os anos, as campanhas de prevenção vão suceder-se. Já todos ouvimos vezes e vezes sem conta que quem conduz não deve beber. Já todos ouvidos vezes e vezes sem conta, que se deve usar o cinto, que se devem evitar manobras perigosas, que não vale entrar no carro num qualquer estado incapacitante, que é preciso respeitar o Código da Estrada. Ou tão só respeitar um qualquer mínimo de civilidade que permita que os carros deixem de ser armas.

E, no entanto, como em todos os anos, vai morrer gente. Gente que ainda vemos a parar nas áreas de serviço para beber mais uma bejeca. Gente que comprou em segunda mão a carta de condução e nem sabe que não se pode andar contra a mão nas auto-estradas. Gente que conduz sem óculos. Gente que conduz sem cinto. Gente que transporta os filhos como marionetas, cabeça do lado de fora da janela. Gente que conduz de máximos. Gente que não pode ver mais gente a andar mais depressa. Gente que não gosta de camiões e os ultrapassa em riscos contínuos. Gente que não respeita stops. Gente que não respeita cancelas de comboios fechadas. Gente que bebe. Gente que se droga. Gente que não dorme. Gente alucinada. Gente idiota. Gente fraca. Gente doida. Gente burra...

Lá para os Reis vamos ter a contabilidade... Um dia destes, até os sacos da morgue se esgotam perante tamanha idiotice que graça por entre esta gente que, apesar de todas as campanhas, ainda não sabe, ainda não ouve, ainda não vê.

STOP!

Que se demitam os deuses...

Nas velhas histórias, de maneiras diferentes, chega-se sempre a um ponto em que os deuses deixam de partilhar a sua vida com os mortais e estes morrem ou desaparecem. Saem do palco e deixam-nos sozinhos, tropeçando nas nossas falas. É este traço mitológico que torna madura uma civilização: um mundo em que os deuses deixam de brincar connosco e de nos dominar e de seduzir as nossas mulheres e de utilizar os nossos exércitos para resolver as suas brigas sifilíticas à custa do sangue dos nossos filhos; um mundo de que os deuses se retiram, ainda enraivecidos, ainda priápicos, ainda enigmáticos, (…) deixando-nos livres para fazermos o melhor ou o pior sem a sua intervenção autocrática.

Salman Rushdie – O Chão Que Ela Pisa


Esquecemos muito vez que a mesma mão que segura uma arma, também segura a mão de um filho; que a boca que profere palavras de ódio, também é capaz da ternura de um beijo; que os olhos que se escondem por trás de uma mira assassina, também se podem encher de lágrimas…

Esquecemos muita vez que o bem e o mal estão em cada um de nós, à flor da pele. Esquecemos que, numa civilização que demitiu os deuses, só nos cabe a nós encontrar o caminho, para além de todas as lutas intestinas, todas as brigas sifilíticas que continuam a derramar o sangue dos filhos da Terra.

Há novidades em Israel, finalmente: mais um massacre, sem história, enquanto novos jogos políticos semeiam pequenas sementes de esperança que podem fazer História. Que se demitam os deuses também: já chega de fazer deles culpados das lutas fratricidas pelo poder, o domínio, a terra e o que mais for possível idolatrar.

2004-12-18

Brand new friend

Brand new friend
A brand new friend…

Lloyd Cole – Brand New Friend


Talvez exista uma predisposição dos portugueses para ouvir quem canta a alma. Talvez seja uma questão cultural. A pop levezinha e sem conteúdo nunca fez muito sentido. Ouve-se. Dança-se. Esquece-se. Mas os cantautores guardam-se. Estimam-se. Preservam-se.

Ontem estava a ouvir o Josh Rouse e a pensar na minha assolapada paixão adolescente pelo Lloyd Cole. Tinha catorze anos quando ouvi o homem pela primeira vez ao vivo. O Jennifer She Said fazia sucesso nas rádios e, no entanto, eu sabia que não era bem uma moda que desapareceria com o tempo e com o fim da adolescência. Não era só por achar o homem lindo. Não era só por ser uma pop eighties. Havia ali mais. Eu só não sabia o que era.

Lembro-me de pensar que o homem podia rapidamente desaparecer da memória de todos mas que ficaria na minha. Eu entendia as letras. Mesmo que o meu inglês não fosse grande coisa na altura. Mas eu entendia. Eram sentimentos facilmente reconhecidos. Eram a alma a nu. E somos todos demasiado parecidos nas nossas esperanças, nas nossas frustrações, nas nossas inseguranças, nos nossos sonhos. Ele limitava-se a pô-los nas palavras certas e musicados.

Depois sempre houve no Lloyd Cole aquela atitude muito pouco star, ou VIP, ou o que se quiser. Aquela mania de alguns – quando se tornam famosos – para olharem de cima para quem lhes compra os discos, quem os ouve, quem os segue. Conheci-o a partilhar um copo com o público depois de um concerto. A interessar-se verdadeiramente pela opinião de quem com ele falava. A sorrir e a esforçar-se por falar português. E fez ainda mais sentido ouvi-lo cantar. Porque no quente da voz e no quente das palavras, estava também uma personalidade simpática e quente.

E é esta atitude que sinto no Josh Rouse também. Nos sorrisos, na maneira como enche o palco, assumindo que só se ele conseguir tirar prazer do que está a fazer os outros terão prazer ao vê-lo actuar. E enche o palco de forma confortável. Como um amigo ou o vizinho do lado. Canta palavras que entendemos, sentimentos que também são nossos. Leva-nos numa viagem que talvez tenhamos já também percorrido e só não sabemos ainda como a cantar.

Já não tem aquele bigode absurdo nos cantinhos da boca. Está mais magro. Parecia ter acabado de acordar. Acendeu o cigarro que estava a apetecer a todos os fumadores. Gostou da acústica. Acho que também gostou de ver o público e de sentir que o público estava a gostar de o ver a ele.

Há uma magia nos cantautores. Parecem vizinhos do lado ou amigos. Cantam coisas que fazem sentido, coisas que também já vivemos. Cantam a alma deles que, no fim, acaba por ser parecida com a nossa. E é por isso que os levamos para casa e os ouvimos anos a fio. É por isso que os seguimos, vamos aos concertos e esperámos impacientes para lhes comprar os trabalhos novos.

Não envelhecem. Ou, às tantas, envelhecem a par connosco e por isso não ficam datados. Continuam a fazer sentido. Continuam a pertencer ao grupo restito de pessoas a quem convidaríamos para um jantar em nossa casa para fazer do ritual de um jantar íntimo, a eternidade onde as almas têm espaço para se encontrarem verdadeiramente, na forma de um poema, de uma música, de uma história…

(Só lamento que ontem não tenha havido um milagre.)

2004-12-17

É hoje....


Josh Rouse Posted by Hello


Vou ver o Josh!

Depois conto....


________________

A imagem - e a entrevista - aqui...

2004-12-16

Boas Festas


Boas Festas Posted by Hello



Tenho de começar a pensar em escrever os meus postais de Natal. Abro páginas atrás de páginas de desenhos repetitivos e mensagens pisadas e repisadas em todos os Natais. As mesmas palavras, os mesmos bonecos, as mesmas animações. Não encontro nada que me agrade. Não encontra nada que me pareça suficientemente bom, suficientemente diferente.

Queria poder abraçar cada amigo este Natal. Dar num beijo o calor do meu abraço; dar num sorriso todo o carinho que me percorre. Queria ter cada um por perto, partilhar com todos uma lareira acesa, o cheiro a pinho, um copo de maduro tinto, uma história. Queria poder fazer de todos a minha família na noite de consoada, abrir-lhes a minha casa, dizer a cada um como está no meu coração.

Tenho tantos amigos tão exageradamente longe, que me pesa a distância mais ainda do que a própria saudade. Mando beijos para o mundo inteiro, desde os antípodas à vizinha Espanha; mando beijos para o Brasil, para o Canadá, para os Estados Unidos; mando saudades para a Rússia e para Macau; mando beijos para Lisboa, para o Algarve, para a Covilhã; mando beijos para o Alentejo, para os Açores, até para a Madeira; mando beijos para Paris, para Londres, para Berlim; mando beijos para Praga, para o Luxemburgo, para Estrasburgo e para Copenhaga; mando beijos para Timor, para Goa e para Maputo; não esqueço Luanda, nem a Ilha do Sal e vão mais beijos ainda...

Tenho as minhas saudades espalhadas pelo mundo fora. Pesa-me a distância. Pesa-me tanto esta distância que ainda nem consegui fazer um postal de Natal. Não queria que fossem só palavras. Palavras vazias, ditas por todos. Queria ir junto, recebê-los cá.

Tenho os postais em atraso e um nó na garganta cada vez que olho a lista de todas as distâncias que as amizades conseguem suportar. Mas é tão absurdo pensar em mandar um qualquer postal com palavras banais...

Claro que desejo Boas Festas! Há, por acaso, mais alguma alternativa quando se escreve a quem escolhemos para morar dentro do nosso coração?

2004-12-15

Porque estou com saudades...

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Carlos Drummond de Andrade - A Um Ausente



Meu caríssimo e digníssimo amigo:

Venho por este relembrar-lhe que aguardo impaciente resposta à última missiva.

Aproveito para lhe pedir desculpas por ter todos os véus em estado impróprio para viajar, esperando ter contornado de forma relativamente eficiente a referida questão mediante a apresentação de meias com foguetes, bem como de uma camisa com a ligeireza de um véu, que o meu amigo esqueceu de remirar com a devida atenção.

Por último, reforço-lhe a minha total disposição para o acolher nesta bela terra, de forma mais ou menos prolongada em função do seu calendário de actividades, mormente aquelas que se prendem com bailados cansativos aligeirados por música capaz de fazer Chopin dar voltas no túmulo. Asseguro-lhe, convicta, que as minhas escolhas em termos de locais de diversão pública com música ambiente serão do seu inteiro agrado e que nunca, mas nunca mesmo, enfiaria o meu bom amigo num qualquer antro de perdição, excepto se o meu amigo insistisse de forma continuada e cada vez mais convicta.

Apresento-lhe os meus maiores respeitos e profunda e sincera amizade, eternamente agradecida pela sua total disponibilidade em carregar com este fardo que, volta e meia, desce a sul do Rio Douro.

Receba um que lhe mando com estima,

2004-12-14

Sem comentários...

Bush, sempre ele...


(thanks Babs!)

A Caminho de Casa

Ainda não sei como vou fazer
Para não esquecer o que sinto agora
Amanhã quando acordar
Vou estar totalmente fora

Melhor talvez fosse nem dormir
Candidatar-me a uma linha recta
Atar um lenço aos sentidos
Fazer de mim uma seta

Sonhei que estava a caminho
A caminho de casa
Sonhei que estava a caminho
A caminho de casa

Ainda não sei como vou fazer
Para alimentar este fogo terno
Vou transpor o rio do ouro
Vou exilar-me no inferno

Neste momento há gente a acordar
Para mais um dia a riscar do mapa
Vou dar um chuto no espelho
Dar cabo da minha capa

Sonhei que estava a caminho
A caminho de casa
Sonhei que estava a caminho
A caminho de casa

Jorge Palma – A Caminho de Casa


Ainda não sei onde está o meu lar. Não pelo menos aquele lar no seu sentido completo, profundo, entranhado.

Mas já sei qual é a casa para onde quero voltar. A minha. Estou sempre a caminho dela. É o meu útero no meio da cidade agitada. O silêncio religioso de um sétimo andar onde guardo os meus segredos.

Sonho agora transformar a casa que é minha, no lar que há de me pertencer. E sim, sonho todos os dias que estou a caminho de casa…

2004-12-13

Esquece-me

Possas tu sempre ser
Um Homem Novo, sem preconceitos,
Possas saber amar,
Ver no espelho os teus próprios defeitos.

Possas tu ter os ombros fortes
Para aguentar o peso da liberdade
E o coração de leão
Para não teres medo de encarar a verdade.

Deixa-as viver, meu irmão...
Fá-las brilhar, meu irmão...
Ainda há estrelas no teu olhar.



Jorge Palma – Ainda Há Estrelas No Teu Olhar II



Às vezes é difícil deixar os fantasmas descansarem. Morbidamente, acordámo-los para os sentir ainda presentes. Recordamos sensações, cheiros, sabores, recordamos um tempo, um espaço, recordamos como éramos.

Às vezes, quem éramos então não é assim tão diferente de quem somos agora. E balançamos em sentimentos comezinhos. Outras vezes, estamos tão diferentes, que a memória nos pesa como um fato velho e esburacado e o sentir de outrora está expurgado de valor.

Morro de medo de magoar as pessoas. Especialmente se as magoo por defeitos que são meus, questões mal resolvidas que tenho comigo mesma. Morro de medo de receber mais do que dou; de não saber ser melhor. E então, esvaziando de sentido a verdade que devia ser minha, deixo-a tingir-se de meios tons. Deixo que pensem que há mais do que realmente existe; que sinto mais plenamente do que consigo; que sofro mais do que realmente sofro.

Não faço por mal. Só tento não magoar ninguém. E acabo a reagir segundo as regras do esperado, em vez de pelas regras da minha verdade. Ainda assim, atabalhoadamente, enrodilhando-me em mil caminhos, acabo por magoar no fim. Mesmo tentando nunca o fazer. Ou, se calhar, por isso mesmo.


Ao mesmo tempo, revolta-me sentir que desempenhei bem demais o meu papel e que quem me deveria conhecer plenamente, não faz nem ideia de como sou. Como se não tivesse tudo passado de um jogo de espelhos e eu fico ali, qual imagem deturpada em frente a um vidro partido: as cores serão as minhas, mas os traços que as vestem estão desfigurados. E não sou eu...

Às vezes, quem éramos nunca foi percepcionado. E então, fujo para a frente. A fuga é ainda o meu socorro. Sempre foi. Guardo na memória o bom e o mau e escolho não olhar para trás. Guardo tudo. O que me enobrece, o que me causa aversão, o que me deixa com vergonha de mim, o que me enche de raiva dos outros. Mas deixo lá atrás. Não repiso. Está trilhado, não tem volta. Não marco encontros com os fantasmas do Natal Passado a ver de desta vez trazem presente.

E não sei como fugir da necessidade de ser verdadeira finalmente. Não sei como fugir desta vontade que me preenche de – esquecendo todo o mal que poderei ter já provocado, toda a dor que poderei ter já infligido – gritar bem alto: esquece-me! Esquece-me de vez! Os affairs têm o seu tempo certo e depois uma morte breve. Esquece-me. Não te iludas com o que nunca chegou a ser verdade. Não retoques a memória para engrandecer o que não foi mais do que um excelente, fabuloso – mas inconsequente – passeio pelo sexo descomplexado dos adultos.

Não há outra resposta... Talvez por isso não vá dar nenhuma. Covardemente ainda, prefiro que a ilusão se mantenha do outro lado. Prefiro outra vez não infligir qualquer dor. No fim, talvez o que realmente importe é que vou sendo verdadeira comigo...

2004-12-12

Pássaros


Pássaros Posted by Hello



Pássaros Posted by Hello


Já ando para escrever este post desde o saudoso concerto do Rufus Wainright. Tínhamos acabado de trilhar o percurso inverso da inclemente subida até à FNAC do Chiado, desde a beira rio. Desta vez, o nosso passo era bem mais lento. Já não estávamos atrasadas: o Rufus já tinha cantado, já tinha distribuído beijinhos, já tinha dado autógrafos.

A miga e eu resolvemos tomar um café, parar por momentos. Escolhemos o bar irlandês que há logo ali. Um bar que eu já vou reconhecendo bem, especialmente pelos croquettes que servem ao almoço e porque é por lá que me vou fazendo de penetra nuns certos "almoços de condomínio", cada vez que vou a Lisboa com tempo para pôr conversas – e amizades – em dia.

Era fim da tarde, com um bonito lusco-fusco, os tons certos no céu, a temperatura ainda agradável. Tínhamos acabado de partilhar mais um pouco daquelas coisas que só se falam com as grandes amigas. Eu suspeito que ela andou uns tempos preocupada comigo, sem entender muito bem algumas das escolhas que por vezes faço. Penso que temeu que me partissem o coração, que eu não soubesse lidar com as enrascadas em que me meto. Penso que até hoje não chega a entender como teria sido para mim tão mais desejável estar hoje de coração partido e aquela alucinante, horrível vontade de morrer de amor, em lugar de sentir – como parece que já sinto há demasiado tempo – que no lugar do coração tenho um saco de areia.

Mas amigas são assim: preocupam-se e esforçam-se por entender. E também se esforçam por explicar. Sem rodeios, o mais claramente que se consegue, alinhando pensamentos enquanto se tenta dizer o que ainda não fazia sentido. E ouvem. Só esse ouvir sem interesses escusos pode ser o bálsamo mais necessário nas situações mais confusas. É por isso que esta distância me pesa tanta vez. A minha miga faz-me falta. Tem dias em que não consigo concordar com nada do que ela diz. Há outros em que parece que só ela me entende. Tem dias em que se a tivesse perto de mim me sentia bem mais descansada. Não tanto por mim. Ou pelo menos, não só por mim. Como sempre, tenho a sensação alucinada de que podia ajudar. Que a vida dela também seria mais fácil se eu, de vez em quando, pudesse fazer mais do que estar a esta distância exagerada.

Há coisas que só ela sabe, claro. Estas coisas acontecem entre amigas. Mesmo que outros saibam das situações, só os amigos sabem os pormenores. Mais do que isso, só eles sabem a motivação. Ou pelo menos o tanto dessa mesma motivação que nós conseguimos expressar em palavras.

Às vezes a minha amiga surpreende-me. Da mesma forma como sinto o agradável aconchego da falta de qualquer julgamento sobre acontecimentos que outros rapidamente se poriam a julgar, surpreende-me por achar que eu faria certas coisas que nem tinha ainda ponderado. E o estranho é que, depois, isso faz todo o sentido. Todo. Como se ela soubesse antes de mim algo que eu ainda não tinha tido sequer coragem para pensar. E também disso sinto a falta.

Outras vezes, sinto-lhe a falta porque há algo que preciso partilhar com alguém. Coisas pequenas, a mais das vezes. Coisas que, para muitos, não fariam qualquer sentido. Coisas que muitos descartariam como um qualquer fait-divers, uma anedota da vida sem valor.

Foi um desses momentos aparentemente banais, atendendo à forma como todos os transeuntes o descartavam, que no dia do concerto do Rufus partilhamos, com os olhos bem abertos, paradas no meio do passeio público, cabeças erguidas para o céu. Lá no alto, os pássaros tratavam de encontrar os seus poisos para a noite. Eram milhares, em bandos, em alturas diferentes. Giravam numa dança umas vezes caótica, outras extraordinariamente organizada. Era um chilreio atordoador. Eram camadas de asas em voltejar rápido, numa coreografia provavelmente diária, mas que, naquela tarde, foi um momento importante para mim. Achei que o céu tinha uma beleza incrível, uma daquelas belezas que nem sempre temos tempo nem jeito para ver…

Um pormenor no quotidiano. Um pormenor num dia, todo ele, muito agradável. Mas foi um daqueles momentos, uma daquelas coisas, que só fazem sentido quando temos o ombro quente de uma amiga logo ali, a entender sem palavras…

2004-12-10

Conquista

Escuchas otras voces en mi voz dolorida.
Llanto de viejas bocas, sangre de viejas súplicas.

Pablo Neruda - Para Que tú Me Oigas


Um dia disseram-me "nunca vou conseguir". E eu respondi "só não consegues se não quiseres".

Durante doze longos anos não conseguiu. Não teve força, nem vontade, nem juízo. As prioridades estavam todas trocadas, a importância real dos sonhos contaminada, o ego fragilidade, atado, carcomido.

Depois houve um renascer da esperança e o trabalho árduo e difícil de quem reencontra o valor das pequenas coisas. E das grandes coisas também. E até uma simples palavra quase sem valor ganhou a força de um rito. O incentivo já não era estranho ao eu. A vontade era mais forte do que todos os medos.

E hoje conseguiu. Brilhantemente. Quase com pompa. Renovou as suas circunstâncias. E eu quase nada fiz e, no entanto, o bem pouco que tenho consciência de ter feito, é ainda assim visto como muito. Porque todos nós damos a importância certa ao que tem significado real e intrínseco para nós. Não a importância relativizada de quem actua. A importância exponensiada de quem recebe.

Hoje há festa. Faço parte dela. Sinto que só dei um ouvido e uns poucos conselhos básicos. Sentem que estive por perto, acreditando ainda, mesmo quando já não era possível acreditar.

Na prática, que fiz eu? Quase nada. Só continuei a acreditar no valor real que sempre vi, por trás de qualquer máscara anémica de um ego macerado. Só isso: acreditei. E estava certa. Ainda bem que estava certa.

Hoje há festa. Se me perguntarem o que fiz, direi apenas que emprestei um portátil. Mas talvez tenha bastado isso. Ou talvez o portátil tenha ganho as asas do sonho concretizável.

Vou para a festa...

2004-12-09

Carga de Trabalhos

Faz-me impressão o trabalho a inércia faz-me mal

GNR – Impressões Digitais


Que o patronato anda aflito a tentar reduzir custos, já todos sabemos. Que a forma mais fácil que encontraram para o fazer é cortando nos gastos com os trabalhadores, também já não é novidade nenhuma. Que com as desculpas das novas tecnologias já estamos todos a fazer o serviço que deveria ser de pelo menos duas pessoas, também não será surpresa...

Surpresa é, no entanto, ver como, num repente, as baixas médicas nos põem a fazer serviço que não nos pertence, deixando-nos sem tempo para fazer o que é nosso de direito e obrigação, e ainda assim nos continuam a cobrar o mesmo e – essa é que é essa – a pagar o mesmo também.

Tinha até há bem pouco tempo o encargo do meu serviço e o de outra pessoa. Lá ia levando, porque a isso estou obrigada. Agora tenho mais um em cima. E já quase não dá para levar. E depois há a treta de se trabalhar por objectivos, que ficam todos muito lindos no papel. Mas, no papel também, ninguém diz que há serviço a triplicar. E se os objectivos não são atingidos, então é porque o funcionário não se esforça. Bonito! Muito bonito...

Também ando a pensar meter baixa médica. Pode ser que assim depois reparem por onde andava afinal o serviço que aparecia feito. Mas o mais certo era chegar à secretária e ter uma pilha de papeis a que ninguém deu seguimento... E depois até as férias iam à vida.

Cada vez percebo mais a máxima do "preso por ter cão e preso por não ter." Pois se ainda agora estou a recuperar de dois miseráveis dias de ausência...

2004-12-07

Ele há dias que...


sofanar Posted by Hello



Estou demasiado cansada, demasiado aborrecida, demasiado zangada, demasiado magoada...

Mas por que raios me levantei eu hoje da cama?

Os dias miseráveis deviam vir com nota prévia de precaução!



(...ainda bem que amanhã é feriado e vou poder sofanar o dia inteiro...)

2004-12-06

Degelo


Héctor Cárdenas Posted by Hello


O frémito, o quente, o arrepio.
O espasmo macerado, a eclusa.
O tremor, o temor, a consciência.
O grito.


O sal enfim. E o degelo...

2004-12-04

Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma casa,

Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira - Natal, e não Dezembro



Estava para aqui a ouvir a nova versão do "Do They Know It’s Christmas"...

Confesso que a versão original me parecia bem mais rica em termos de texturas vocais (talvez com a honrosa excepção da Dido, já que a versão original era dominada por vozes masculinas) e que esta não me parece trazer nada de novo, enquanto recriação de um momento inesquecível na música internacional.

Lembro-me bem quando o Bob Geldof surgiu com o tema (e por onde anda o Midge Ure, co-autor da canção?), não apenas com o tema musical, mas antes com o tema da fraternidade das gentes da música para com as pessoas que sofriam e morriam de fome em África. Não juntou apenas as 70 000 libras pretendidas para acabar com a fome na Etiópia. Juntou milhões. Eu ajudei modestamente: comprei o single. Ainda tenho esse velhinho vinil. Mas a fome não acabou...

Lembro a forma como rapidamente se sucediam outras acções semelhantes, com o Live Aid na primeira fila, mas também com o Sun City (Ainda alguém se lembra desta? De quando os músicos se decidiram unir, recusando concertos na África do Sul do Apartheid?) O Apartheid acabou. A fome continua...

Não vou comprar este single. Talvez seja errado, não sei. Mas a verdade é que hoje já não consigo ter a mesma fé num mundo melhor. Hoje já não há ilusões que me façam acreditar que o meu modesto contributo possa fazer a diferença.

Não é a ideia em si. Essa continua bela. É o reconhecimento do quão utópica é. De como os interesses nefastos da comunidade internacional se sobrepõem a todos os interesses piedosos. De que não há santos nem milagres. Só interesses escusos e resultados podres.

Bob Geldof continua a sua senda. Com o Bono, dos U2, ergue ainda a voz para tentar ver perdoada a Dívida Externa dos países do chamado Terceiro Mundo. E admiro a coragem que não o deixa desistir. E a fé que, tantos anos depois, ainda é capaz de fazer prevalecer.

Mas eu olho para este Mundo de hoje e já não vejo a utopia. Continua a ser Dezembro. Continua a fazer frio. E continua a não ser Natal para todos e a consoada universal é a miragem que já não me ilude.

Provavelmente a culpa é minha. Só pode ser minha. Lembro-me de que chorei a primeira vez que vi o teledisco do "Do They Know It’s Christmas". Lembro-me que foi como que um soco no estômago. Estive a ver o novo teledisco, as mesmíssimas imagens de fome e dor e morte...






Estava para aqui a ouvir a nova versão do "Do They Know It’s Christmas"... e já não tenho lágrimas.

2004-12-03

Esperança


hope Posted by Hello



Abro um sorriso do tamanho do Mundo e prendo-me nos braços quentes da ternura.

Confesso um pecadilho com a inocência de uma criança e passeio os olhos pela tarde.

Remeto ao silêncio a canseira quotidiana, celebrando a vida engalanada nos rostos da esperança.
____________


A imagem veio daqui.

2004-12-02

A vingança

Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba


Mário de Sá Carneiro - Dispersão


Não sou, por natureza, uma pessoa vingativa. Não tenho a paciência resistente capaz de urdir tramas por longos períodos de tempo. Mais depressa expludo no momento, levando o que me aparecer pela frente, desvairadamente decidida, impulsivamente inoportuna, compulsivamente tresloucada. Depois acalmo. Como um rio que se apazigua depois de fazer bungy jumping numa catarata.

Este tipo de comportamento pode acarretar – e acarreta – consequências profundamente infelizes. Mas também é extraordinariamente verdadeiro. Não tem qualquer tipo de subterfúgio, nem pretende mais do que descomprimir uma irritação que me percorre o corpo inteiro, me cega para a razão, quer pôr tudo em pratos limpos, logo, no imediato, para depois seguir em frente.

No entanto, ainda que não procure a vingança e nem sequer me dê ao trabalho de a planear, a verdade é que o meu percurso de vida mostra-me que a vingança vem ter comigo. Ou seja, de todas as vezes que o meu instinto me fez explodir, ou tão só virar costas a determinada pessoa; de todas as vezes que alguém me quis provocar dano ou a outros que me são queridos; de todas as vezes que fui alvo de intrigas ou de ataques vis ao que mais prezo, mesmo sem ter tido necessidade de me vingar, a verdade é que acabei vingada de alguma forma.

Nunca urdi uma trama vingadora, mesmo que já me tivesse divertido a fazer planos que, rapidamente, esqueci. Mas o destino – se existe destino – sempre teve a gentileza de me pôr presente quando a vida deu para trás a quem me magoou. Pôs-me, inclusive, na posição interessante de ser eu a pessoa habilitada para resolver as confusões onde outros se meteram. Deu-me o prazer de ver ser cumprida por outros a vingança que era minha. E nunca deixei de ser uma simples espectadora.

Por incrível que pareça, parece que a vingança me cai do céu. Bem poderia ser dinheiro, ou a felicidade, ou apenas a água da chuva. Mas não! Anos que passem, sei bem que ainda há de vir o dia em que vou estar presente, rindo baixinho de mim para mim, a ver como a vida se encarrega de pôr todas as coisas no seu lugar.

E este é um exercício de paciência que, por não ter tramas nem urdiduras, nem me obrigar a planos elaborados e pacientemente implementados, sou bem capaz de praticar: a minha vingança não é minha filha, mas bem podia ser assim uma espécie de minha fada madrinha, que me concretiza os desejos que nem me atrevo a formular.



(O estranho, por estes dias, é ver como o País se diverte a ver como as elites da política atrofiam e se afundam. Agora ainda juntam o Futebol à festa. Num ápice, parece que a grande maioria dos portugueses descobriu aquele sorrisinho vitorioso de quem, de alguma forma, se sente vingado. E já não era sem tempo que nos dessem uma alegria...)

2004-12-01

Vem aí a moda da Boudicca

If Queen Boadicea is long dead and gone
Still then the spirit
In her children's children's children
It lives on

The Libertines – The Good Old Days


A esta amazona – porque o foi – os Romanos chamaram Boadicea. Era uma mulher nobre, da tribo dos Icenos, provavelmente a sua rainha.

Quando – ao tempo de Nero – Claudius regressou à Bretanha para colonizar as ilhas britânicas, os actos dos soldados da legião expedicionária foram tão bárbaros que até os Celtas – que nunca foram conhecidos por serem pacíficos – acharam que os exageros mereciam troco.

Conta a lenda que o rei dos Icenos era uma espécie de rei fantoche, submetido a Roma. Como tal, tinha por obrigação pagar tributos e – à sua morte – era suposto que todas as suas posses passassem para Nero. Porém, num acto de alguma rebeldia, o rei resolveu deixar ficar terras e dinheiro à sua esposa e às suas duas filhas. A isso, os cobradores de impostos de Roma responderam com a violação das duas filhas adolescentes de Boudicca, enquanto ela era açoitada em praça pública.

Mas aquela não era uma mulher para baixar os braços. Reza a lenda que era uma mulher alta e forte, vestida simplesmente. Uma mulher que não tinha qualquer pudor em pegar em armas. E foi isso que ela fez. Reuniu as tribos Celtas – desavindas havia anos, estando algumas delas em paz com Roma, enquanto outras se mantinham ostensivamente rebeldes – e partiu para a luta. E a luta foi brava e o Império foi humilhado, tendo sido, pelo menos por alguns anos, expulso das Ilhas Britânicas.

Boudicca faz parte dos mitos fundadores anglo-saxónicos e representa também a mulher Celta, aguerrida, insubmissa, companheira de armas, líder de massas. Para um Império machista e tacanho, onde as mulheres tinham uma posição social pouco superior à do simples escravo, impedidas de ter património, de decidirem o próprio destino, confinadas aos aposentos interiores das casas, Boudicca deve ter parecido uma qualquer deusa vingadora, castigadora e implacável.

Mas esta é a mulher símbolo de todas as mulheres que não se sujeitaram nunca às sociedades patriarcais, misóginas, elitistas e preconceituosas. Esta é a mulher celta – o mesmo sangue celta que corre nas veias de tantas portuguesas e que a História oficial se encarregou de esquecer, mesmo quando o País se encarregava de enaltecer Viriato e alquilá-lo aos píncaros da patriotice.

Pois eu sou mulher do Norte, de olhos e tez clara. Corre-me nas veias o sangue dos Suevos e dos Visigodos. Mais do que o sangue da latinização, provavelmente. E a história da Boudicca é a história que me corre nas veias, muito antes do feminismo ter virado doutrina de fundamentalismos bacocos e manifestações parvas de rebelião.

Neste Norte - que é o meu - , a tradição passa-se ao borralho, de mãe para filha, no meio de tias e avós. Neste Norte onde se cantam músicas alegres e se faz guerrilha até hoje, preservando uma identidade, com uma vontade tão férrea que ronda o fanatismo. Este Norte que não é triste, nem quando os dias são frios e cinzentos. Neste Norte que sabe que o Fado não é a canção nacional, porque não há Fado que ganhe ao Vira. Neste Norte onde se tocam gaitas de foles e os pauliteiros ainda dançam em saias-kilt, onde os cabeçudos saem às ruas para espantar os maus espíritos e se procura o visgo dos Druidas nos caminhos do Gerês, enquanto nas penedias as capelas à Virgem substituem as grutas sagradas consagradas a Astarte, ou a La Morrighan, a grande Deusa, a força fertilizadora do caos, a Mãe – Mater – que dá origem à criação.

Talvez seja por tudo isto que não entendo como a sociedade do Norte pode ser tão poucochinha, tão fanática e canastrona, tão machista e patriarcal. Talvez as mães só saibam passar as tradições ao borralho para as filhas; no leite delas vai a tacanhice directamente para o cérebro masculino.

No entretanto, Hollywood descobriu Boudicca. Preparem-se para a verdadeira Xena, que ela vem aí. Estão pelo menos dois filmes na calha, um deles do Mel Gibson (esperemos que se redima da estopada do último e intragável, misógino Cristo). Talvez seja aconselhável levar os homens ao cinema. Talvez aprendam qualquer coisinha...

2004-11-26

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Have yourself a merry little Christmas,
Let your heart be light
From now on,
our troubles will be out of sight

Have yourself a merry little Christmas,
Make the Yule-tide gay,
From now on,
our troubles will be miles away.

Hugh Martin e Ralph Blane - Have Yourself a Merry Little Christmas (da BSO do filme Meet Me In St. Louis)


É nesta altura do ano em que mais me apercebo de como tudo está demasiado caro, ou então sou mesmo eu que estou a ganhar muito mal. Os sinais prometidos da retoma económica continuam uma miragem que parece apenas perceptível para os senhores incluídos nas listagens dos 13 por dia das nomeações governamentais. O próprio "tio" Cavaco avisou-nos hoje que até 2006 só ficamos é mais pobres... E se a minha carteira serve de exemplo, por lá os euros esfumam-se dia a dia e só uma ida ao supermercado deixa miserável o orçamento do mês.

Ainda assim, já cá está o subsídio de Natal, pago junto com o ordenado, para que a retenção na fonte suba para níveis estratosféricos e um terço do rendimento fique logo ali coarctado. Mas a conta no banco fica, sem dúvida, mais compostinha, pelo menos durante uns dias.

No entretanto, já destinei uma parte do ordenado ao pagamento anual do seguro do bichinho que, por falar nisso, vai ficar um ano mais velhito e eu não vejo como o poderei alguma vez pôr na reforma e passar a andar por ai a passear o tão desejado A3.

Outra parte vai para umas mini-férias na Capital, que estou mesmo a precisar retemperar forças para um fim de ano que já se prefigura de loucos. E sem qualquer possibilidade de férias durante as festas, como já souberam avisar. A amiga do costume vai-me aturar as trenguices, as mazelas, os traumas e as queixas várias e fazer-me, como sempre, recentrar prioridades. Acho que nem ela sabe o bem que me faz...

Mais uma fatia ficou já adstrita a todos os jantares de trabalho que a quadra natalícia nos impõe, onde é suposto estarmos todos muito bem dispostos e satisfeitos, concordando com todas as mordomias das chefias que, entretanto, se fazem sempre de convidadas e nem se dignam a pagarem o próprio jantar. Ah! e que também não se esquecem de mencionar que vão passar o Fim do Ano aos Alpes Suiços, ou algo assim, porque, como é óbvio, as limitações laborais só se impõem ao mexilhão.

Mais uma parte – de ano para ano mais minguada – vai para as compras de Natal. Como é óbvio, já ando a dar em doida com a dimensão da lista, sem conseguir perceber se será melhor diminuir ao número dos listados ou atacar da salto a loja dos 300. Mesmo que nem sempre a lembrança seja de grande qualidade, não será sempre melhor do que o pretenso esquecimento?

Os cd’s que queria comprar vão continuar nas prateleiras da FNAC; os livros também. Ainda não é desta que lhes posso chegar. Talvez com o prémio anual e o prémio que me devem. Mas esses não chegam tão cedo, pela certa, porque primeiro é preciso pagar aos tais chefes que querem ir de férias na Passagem de Ano. E, quando chegarem, talvez só sirvam afinal para acabar de pagar o que devo da Quadra Natalícia e para – finalmente – comprar os sapatos novos do bichinho que, coitadinho, já quase anda em meias de tão carecas que estão a ficar os pneus.

No entretanto, lembrei-me que, durante muito tempo – o tempo em que os filhos dos amigos ainda acreditavam no Pai Natal – fui incumbida todos os anos de secretariar o old Saint Nicholas, sendo o meu e-mail o destino de todas as cartas. Nesse tempo não tinha blogue, mas a ideia é a mesma: sintam-se à vontade para deixarem aqui a listinha dos presentes que gostariam de receber. Já sabem, pelo que expus, que para o meu lado vai uma grande corrente de ar nos bolsos. Mas nada nos impede de sonhar um bocadinho com todas as coisas que era suposto podermos ter, nesta altura em que todos os filmes, todas as músicas, todos os enfeites pindéricos dos centros comerciais, nos prometem a felicidade eterna, embrulhada em papel colorido e de laçarote dourado a tiracolo.

Quanto a mim, vou de férias, antes de dar em maluca de vez...

2004-11-25

issa!


issa! Posted by Hello


"se fosse mais novo, casava consigo..."

Olhei-lhe para os olhos tortos, para as unhas porcas em dedos sapudos, para o hábito irritante se ciciar constantemente uma música do Toy por entre os dentes amarelos...

Não! Nem a Eva, lá para os lado do Jardim do Éden, sozinha com o Adão e a serpente, esteve algum dia perante tal proposta!

Que se responde a isso?

Talvez contar até dez, de sorriso amarelo na cara e um ar levemente enojado, recordando a mim mesma que o silêncio é que é de ouro; a palavra é só de prata...

2004-11-24

Don't Give Up

.


In this proud land we grew up strong
we were wanted all along
I was taught to fight
taught to win
I never thought I could fail.

No fight left or so it seems
I am a man whose dreams have all deserted
I've changed my face
I've changed my name
But no one wants you when you lose.

Don't give up - 'cause you have friends
Don't give up - you're not beaten yet
Don't give up - I know you can make it good.

Though I saw it all around
never thought that I could be affected
Thought that we'd be last to go
it is so strange the way things turn.

Drove the night toward my home
the place that I was born on the lakeside
As daylight broke I saw the earth
the trees had burned down to the ground.

Don't give up - you still have us
Don't give up - we don't need much of anything
Don't give up
'cause somewhere there's a place where we belong.

Rest your head
you worry too much
it's going to be alright.

When times get rough you can fall back on us
Don't give up
please
don't give up!

Got to walk out of here
I can't take anymore
Going to stand on that bridge
keep my eyes down below.

Whatever may come and whatever may go -
That river's flowing
that river's flowing.

Moved on to another town
tried hard to settle down
For every job so many men
so many men no one needs.

Don't give up - 'cause you have friends
Don't give up - you're not the only one
Don't give up - no reason to be ashamed
Don't give up - you still have us.

Don't give up now - we're proud of who you are
Don't give up - you know it's never been easy
Don't give up - 'cause I believe there's a place
There's a place where we belong!




Kate Bush & Peter Gabriel - Don't Give Up
Found at bee mp3 search engine

Ainda a propósito do post de ontem...

Porque depois de cada eclipse, por mais negro que seja, há sempre um sol que volta a brilhar...


E porque não faz mal recordar a mim mesma o que significa.

2004-11-23

You gotta dance....

I see myself suddenly
On the piano, as a melody.
My terrible fear of dying
No longer plays with me,
for now I know that I'm needed
For the symphony.

Kate Bush - Symphony In Blue


Lembro-me de lhe ouvir os primeiros sons ainda estava na escola primária. Talvez até usasse umas calças à boca de sino enquanto mirava, fascinada, o teledisco do "Wuthering Heights" e via a Kate levitar e multiplicar-se em imagens de branco vestidas.

Lembro-me que andei à procura do livro na altura, mas só li realmente a Emily Brontë bem mais tarde, o que se provou sábio, já que há idades para compreender tanta dor, tanto sofrimento, tanta desdita: "Heathcliff / it's me / I'm Cathy".

Cathy? Kate? Duas Catarinas, plenas de forças e de dores, nunca domadas...

Lembro-me da gloriosa cabeleira ruiva e da voz fascinante e exótica. Como me lembro do ar babado dos meus primos a verem a figura semi-despida no teledisco do "Babooska", com a espada, o chicote, a parafernália dos diferentes fetiches adolescentes ou, até, bem mais adultos.


Em 86, aprendi a ser mulher forte, capaz de defender o seu direito à felicidade por sobre todas as desgraças, enquanto ouvia – como ouço até hoje, quando qualquer crise me quer domar os dias – o "Don’t Give Up" e invoco os amantes abraçados, Peter e Kate, lindos... "So!"

Faz parte do meu imaginário tingido de feminino, de sensualidade. Faz parte da minha adolescência, da minha iniciação na vida adulta. Sei até hoje que nos basta ser possível respirar – "in; out, keep breathing" – para nos sentirmos vivos, ou que não há mal em "waking the witch", porque todos temos uma bruxa, uma feiticeira, uma wicca, dentro de nós.

Como sei que há formas (formulas?) para tentarmos fazer um pacto com o Divino, se isso nos servir de conforto, nem que para tal seja necessário continuar "running up that hill". Sei também que quero – que sempre quis – para mim "a man with the child in his eyes" e que vou ter de continuar a enfrentar todos os "strange phenomena" que me surgirem nas esquinas da vida.

Quando ela calçou os seus lindos "red shoes" foi desaparecendo lentamente, como um "morning fog", deixando o panorama musical mais parecido com um "empty bullring". Mas existe sempre a ansiada promessa do retorno da menina-mulher-bailarina-cantora-diáfana.

Não, nunca desapareceu completamente. É ainda a suave aparição de voz singular, "moving" como só ela. Continuo a esperar-lhe o regresso enquanto aguardo que se cumpra a promessa de estar "home for christmas", "cloudbusting" ainda...

"you’re here in my head like the sun coming out"

E, se não sei tocar piano, há sempre um piano onde me sento. Lembro a Kate e sei que também faço parte da sinfonia da vida.

Obrigada, Zig Zag Warriors, pela Kate ao fim da noite; pela Kate ao raiar do dia...

2004-11-22

Jardim

Alguém diz:
"Aqui antigamente houve roseiras" -
Então as horas
Afastam-se estrangeiras,
Como se o tempo fosse feito de demoras


Sophia de Mello Breyner Andresen - Jardim


Envolta em trapos de frio, busco o jardim onde se escondeu a Primavera.

Tenho ânsia de vida feita de verdes e de luz e não esta quase morte de um mundo enterrado até à raiz hibernadora.

Aleluia

Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind,
Possessing and caressing me.


Rufus Wainright – Across The Universe


Conta-me uma história hoje, feita de esperança e de verbos. Conta-me uma história de embalar, com um final feliz garantido, plena de alegrias.

Conta-me como o espaço se faz tempo e são nossos. Conta-me da minha, da nossa, significância no Universo e como somos poeira mágica feita de estrelas e vontades e sonhos.

Conta-me como tudo é possível hoje, que acordei com um sorriso nos lábios e um bater de coração embalador.

2004-11-21

Been there; done that!

(...)
No I can’t watch the same mistake
Waiting for the boys to turn out straight
No I can’t run the same dog race
And get burnt like you
(...)


Skin - Burnt Like You


Quando pensamos que já temos alguns fantasmas bem arrumados nas prateleiras da memória, eis que um pequeno erro de cálculo, uma frase mais ao lado, e tudo volta em catadupas outra vez. Já não dói igual, óbvio, que uma década faz muito bem a todas as feridas. Mas sangra de novo. E como!

Não sei voltar a conviver com a morte em vida, com o sofrimento, a agonia. Não sei voltar a conviver com sentimentos ambivalentes despertados por desejos de morte ou de vida. Não sei voltar a prescindir da minha capacidade de auto-protecção, auto-preservação, contra o descontrolo dos egos, dos destinos, das vidas. Não sei voltar a lutar contra artifícios que dominam por completo os dias, sorvem dinheiros que não há, sorrisos que já não se tem, capacidade de sofrimento que se esgotou. Não sei voltar a ser a "única coisa saudável" de um Jonas há muito perdido nos fundos da barriga de uma baleia voraz, insaciável, dominadora. Não me sei capaz de perder a sanidade que tanto me custou recuperar, de encontrar a luz ao fundo de cada túnel de lutos, de ver vidas despedaçadas a escoarem-se lentamente, dolorosamente, da minha.

"Hoje não!" Nem hoje, nem nunca.

Been there; done that!


Sim. Já lá estive. Não foi bonito. Nunca é bonito.

Não volto. Não posso voltar. Já não sei ser muleta de ninguém, nem sequer de mim...

2004-11-19

Abraço


Abraço Posted by Hello



Às sextas-feiras dá-me sempre uma ânsia imensa de distribuir abraços, procurando os reencontros que as horas espartilhadas da semana condenaram ao adiamento.

Não sendo muito táctil por natureza – nem beijoqueira sequer – as proximidades dos fins-de-semana atafulham-me de mimo. E esse mimo precisa ser distribuído.

So beware!


Como a delicadeza estava de férias pelas alturas em que fui fabricada, sugiro alguma protecção aos alvos dos meus afectos extemporâneos.

É que sempre gostei de me vestir de preto e branco...

Bom fim de semana a quem por aqui passar :)