2004-12-12

Pássaros


Pássaros Posted by Hello



Pássaros Posted by Hello


Já ando para escrever este post desde o saudoso concerto do Rufus Wainright. Tínhamos acabado de trilhar o percurso inverso da inclemente subida até à FNAC do Chiado, desde a beira rio. Desta vez, o nosso passo era bem mais lento. Já não estávamos atrasadas: o Rufus já tinha cantado, já tinha distribuído beijinhos, já tinha dado autógrafos.

A miga e eu resolvemos tomar um café, parar por momentos. Escolhemos o bar irlandês que há logo ali. Um bar que eu já vou reconhecendo bem, especialmente pelos croquettes que servem ao almoço e porque é por lá que me vou fazendo de penetra nuns certos "almoços de condomínio", cada vez que vou a Lisboa com tempo para pôr conversas – e amizades – em dia.

Era fim da tarde, com um bonito lusco-fusco, os tons certos no céu, a temperatura ainda agradável. Tínhamos acabado de partilhar mais um pouco daquelas coisas que só se falam com as grandes amigas. Eu suspeito que ela andou uns tempos preocupada comigo, sem entender muito bem algumas das escolhas que por vezes faço. Penso que temeu que me partissem o coração, que eu não soubesse lidar com as enrascadas em que me meto. Penso que até hoje não chega a entender como teria sido para mim tão mais desejável estar hoje de coração partido e aquela alucinante, horrível vontade de morrer de amor, em lugar de sentir – como parece que já sinto há demasiado tempo – que no lugar do coração tenho um saco de areia.

Mas amigas são assim: preocupam-se e esforçam-se por entender. E também se esforçam por explicar. Sem rodeios, o mais claramente que se consegue, alinhando pensamentos enquanto se tenta dizer o que ainda não fazia sentido. E ouvem. Só esse ouvir sem interesses escusos pode ser o bálsamo mais necessário nas situações mais confusas. É por isso que esta distância me pesa tanta vez. A minha miga faz-me falta. Tem dias em que não consigo concordar com nada do que ela diz. Há outros em que parece que só ela me entende. Tem dias em que se a tivesse perto de mim me sentia bem mais descansada. Não tanto por mim. Ou pelo menos, não só por mim. Como sempre, tenho a sensação alucinada de que podia ajudar. Que a vida dela também seria mais fácil se eu, de vez em quando, pudesse fazer mais do que estar a esta distância exagerada.

Há coisas que só ela sabe, claro. Estas coisas acontecem entre amigas. Mesmo que outros saibam das situações, só os amigos sabem os pormenores. Mais do que isso, só eles sabem a motivação. Ou pelo menos o tanto dessa mesma motivação que nós conseguimos expressar em palavras.

Às vezes a minha amiga surpreende-me. Da mesma forma como sinto o agradável aconchego da falta de qualquer julgamento sobre acontecimentos que outros rapidamente se poriam a julgar, surpreende-me por achar que eu faria certas coisas que nem tinha ainda ponderado. E o estranho é que, depois, isso faz todo o sentido. Todo. Como se ela soubesse antes de mim algo que eu ainda não tinha tido sequer coragem para pensar. E também disso sinto a falta.

Outras vezes, sinto-lhe a falta porque há algo que preciso partilhar com alguém. Coisas pequenas, a mais das vezes. Coisas que, para muitos, não fariam qualquer sentido. Coisas que muitos descartariam como um qualquer fait-divers, uma anedota da vida sem valor.

Foi um desses momentos aparentemente banais, atendendo à forma como todos os transeuntes o descartavam, que no dia do concerto do Rufus partilhamos, com os olhos bem abertos, paradas no meio do passeio público, cabeças erguidas para o céu. Lá no alto, os pássaros tratavam de encontrar os seus poisos para a noite. Eram milhares, em bandos, em alturas diferentes. Giravam numa dança umas vezes caótica, outras extraordinariamente organizada. Era um chilreio atordoador. Eram camadas de asas em voltejar rápido, numa coreografia provavelmente diária, mas que, naquela tarde, foi um momento importante para mim. Achei que o céu tinha uma beleza incrível, uma daquelas belezas que nem sempre temos tempo nem jeito para ver…

Um pormenor no quotidiano. Um pormenor num dia, todo ele, muito agradável. Mas foi um daqueles momentos, uma daquelas coisas, que só fazem sentido quando temos o ombro quente de uma amiga logo ali, a entender sem palavras…

1 comentário:

Hipatia disse...

On : 12/13/2004 12:02:32 PM Diálogos interactivos (www) said:

São momentos assim , entre outros, especiais, que marcam tão vincadamente o nosso mais profundo sentido da vida.

beijinhos,


On : 12/13/2004 12:03:01 PM Diálogos interactivos (www) said:

São momentos assim , entre outros, especiais, que marcam tão vincadamente o nosso mais profundo sentido da vida.

beijinhos,


On : 12/13/2004 12:53:06 PM Hipatia (www) said:

É verdade, sim. Eu não saberia viver sem amigos e o bem que eles me fazem...

Beijinhos


On : 12/14/2004 6:18:30 AM Caliope (www) said:

Que bonito hino à amizade..... é bom ter assim amigos