2005-03-13

Quem conta um conto...


Big Fish Posted by Hello


O Tim Burton sempre foi um dos meus realizadores favoritos, pelo universo fantasista embocado nos seus primeiros anos como animador da Disney, que sempre deram aos seus filmes uma “imagem” particularmente incomum, mas também pelo sentido de humor rebelde, negro e bem distinto, quase surreal.

Sensibilidade visual e sentido de humor! Sim, sempre foi disto que gostei em Tim Burton. E este “Big Fish” é, talvez, um dos expoentes dessa capacidade para nos maravilhar e transportar para um mundo diferente.

Mas é, talvez, também um dos primeiros filmes em que essas capacidades estão ao serviço de uma história mais “real”, mais verdadeira. O “Ed Wood” era sobre uma personalidade de carne osso (duas, se pensarmos também no Bella Lugosi) e, no entanto, não tem esta dimensão de verdade “pequenina” e pessoal de gente comum. Porque o Edward Bloom, ainda que seja uma figura maior do que a vida, não deixa de ser um qualquer John Doe com uma imaginação prodigiosa. Tão “pequeno” na sua realidade de pai ausente, que o filho se recusa a acreditar quase até ao fim, que o pai é, de facto, um ser grande, espantosamente tridimensional, capaz de acrescentar apenas uns pequenos pontos a cada história e, no entanto, pelo fim do filme, vemos como o seu universo era bem menos exagerado do que alguma vez o filho foi capaz de o supor.

Quem chegamos a admirar no filme? O filho, tão terra a terra, tão pragmático nas suas certezas, ou o pai, debilitado, cheio de defeitos enquanto figura paternal incapaz de dar espaço no centro do palco a um filho que, para se fazer homem, tem que fugir para uma Paris distante e conceber seu próprio filho? Acarinhamos mais este “Edward” (as minhas personagens favoritas de Burton parecem condenadas a chamarem-se sempre Edward) pela sua vontade de viver sem peias, pela vontade de fazer da realidade algo maior, maior do que o quotidiano banal que nos aprisiona, maior do que a vida sem um qualquer “twist”. E o filho entende-o também por fim, de tal forma que será, finalmente, capaz de se transformar num pai que alimenta a imaginação do seu próprio filho, em lugar de a cercear.

Estamos, todos nós, quase sempre condenados à partida a uma vida banal. E, no entanto, somos capazes de grandes rasgos de imaginação, de fantasia. Na maior parte das vezes, a estes golpes de génio que nos ocorrem, damos o desconto de “sonhos” ou “ilusões” ou qualquer outra coisa “menor”. Esquecemos que quem conta um conto, sempre acrescenta um ponto e que, se não fossemos capazes de imaginar o “diferente”, se não houvesse entre nós quem seja capaz de ultrapassar as limitações do real tal como ele é, então nunca seriamos capazes de evoluir como gente, como espécie....

Este pequeno filme maravilhoso, com relvados verdes e botas penduradas à entrada das aldeias, com gigantes e siamesas, poetas que se fazem ladrões, bruxas que são princesas, lobisomens e peixes impossíveis de apanhar é o mundo normal colorido pela imaginação. É o nosso mundo banal visto pelos olhos da magia. E, neste pequeno momento que representa na nossa vida, entre a altura em que o filme começa, até ao derradeiro momento em que surge o “The End”, somos levados para dentro da imaginação de Edward Bloom e de Tim Burton e apetece, no fim, repetir a viagem...

1 comentário:

Hipatia disse...

On : 3/13/2005 1:35:25 PM PN (www) said:

Adorei essa tua visão desse filme magnífico. Sabes que esta obra de arte é em certa medida autobigráfica? Aparentemente o pai de Burton, contribuiu grandemente para o universo criativo do filho.


On : 3/13/2005 2:41:07 PM Hipatia (www) said:

Antes de mais, bem vindo, PN.

Adorei este filme. Ontem, estive a revê-lo e ainda - se é possível isto acontecer - lhe encontrei maior magia.

E, sim, por acaso sabia. O Tim Burton referiu várias vezes nas entrevistas promocionais do Big Fish. Mas já não me lembrava


On : 3/14/2005 7:55:19 AM duende (www) said:

'Estamos, todos nós, quase sempre condenados à partida a uma vida banal. E, no entanto, somos capazes de grandes rasgos de imaginação, de fantasia. '

Estamos, todos nós, quase sempre destinados à partida a uma vida de grandes feitos. E, no entanto, somos capazes de de nos contentar com a pequenez de uma vida banal.

Tim Burton é Tim Burton e está tudo dito.


On : 3/14/2005 10:44:13 AM corpo visível (www) said:

Também gostei muito do filme e particularmente da ideia de um poeta que se transforma em bank robber e acaba em Wall Street!! lol
E a noite de sexta, correu bem?


On : 3/14/2005 12:52:05 PM Hipatia (www) said:

Claro que o Tim Burton não tem igual Inquestionável, essa

E também tens alguma razão quanto a essa dos grandes feitos. Mas às vezes é na banalidade que ficamos realmente realizados, certo? Basta é não perder a magia por completo...


On : 3/14/2005 12:54:59 PM Hipatia (www) said:

O Steve Buscemi, não era, Corpo Visível? Gosto tanto dele, apesar daquele pinhão a precisar urgentemente de obras

(acabei por não ir)


On : 3/14/2005 2:13:13 PM corpo visível (www) said:

Sim, o Buscemi com aqueles dentes inquietantes.
Também gosto do tipo.
Oh! Acabaste por não ir?? A culpa é "das calças", tá mais que visto!


On : 3/14/2005 2:18:05 PM Hipatia (www) said:

Não, foi mesmo culpa do sono