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A palavra "vítima" é exacta, dura, inequívoca, e não precisa de adornos para exaltar a sua razão. Mas a banalidade, a versão unilateral de um grupo, acrescenta-lhe hoje a designação de "danos colaterais" e, por artes de berliques e berloques, as vítimas transformam-se em algo de indecifrável, a dor é minimizada e, com isso, o vitimador exime-se de qualquer responsabilidade.
Luís Sepúlveda - Uma História Suja
Desde o início que assumi que este blog seria sobre banalidades, as minhas banalidades. Mas não no sentido de "banalidades", tal como as encara Luís Sepúlveda. Antes no seu sentido etimológico mais profundo, o do "ban", da circunscrição feudal, sendo que eu sou aqui o feudo, o espaço é meu, as minhas palavras são o meu território.
São banalidade com berliques e berloques e, no entanto, por mais ridículo e sem consequências que o possa ser, são banalidades comprometidas. São banalidades com grau de exactidão. As vítimas, para mim, não serão nunca danos colaterais. Os palhaços vitimadores não serão nunca eufemismo.
As palavras estão banalizadas, apupadas nos seus sentidos. As palavras estão escravas de interesses e são armas com gatilhos encravados. As palavras já não explodem, implodem na mentira. As palavras - e os discursos - ganham naftalina, quando se exaurem os seus significados, se enfeitam textos que nada dizem.
Olho os discursos políticos e pergunto-me onde estão as palavras. Vejo lá as letras e os ditongos a formá-las, as sílabas, os sons representados. Mas sinto as palavras sem sentidos exactos, sem contornos de verdade. E são tantas as palavras, tantas, tantas... Em toda e qualquer entrevista, todo e qualquer comunicado à imprensa, nos debates "políticos" que já não querem saber da "polis". E o sem sentido das palavras gastas, que correm o risco de já não dizerem rigorosamente nada, que perdem exactidão, são contaminadas pelas tricas de gente que faz da palavra a arma do interesse mesquinho, comprometido, prostituído.
As minhas palavras são banais. Mas quero-as ainda exactas. Armas puras nos sentidos, capazes de dizer as coisas banais de forma inequívoca, sem vítimas e sem vitimadores. Palavras-armas sem lobbies, contra a indiferença; contra o embrutecimento. Palavras-armas contra a minha voz em fuga e o meu alheamento das causas que as vão motivando ainda...
Mas há dias em que fico sem palavras, porque as histórias são demasiado sujas. Não encontro uma sequer que consiga precisar o que sinto. Que dizer de uma mãe que mata uma filha e desata a dar entrevistas chorosas para os jornais e televisão? Não tenho mesmo palavras. Chamar-lhe "puta" - palavra mais que banalizada - não chega sequer próximo do que sinto.
A palavra "vítima" é exacta, dura, inequívoca, e não precisa de adornos para exaltar a sua razão. Mas a banalidade, a versão unilateral de um grupo, acrescenta-lhe hoje a designação de "danos colaterais" e, por artes de berliques e berloques, as vítimas transformam-se em algo de indecifrável, a dor é minimizada e, com isso, o vitimador exime-se de qualquer responsabilidade.
Luís Sepúlveda - Uma História Suja
Desde o início que assumi que este blog seria sobre banalidades, as minhas banalidades. Mas não no sentido de "banalidades", tal como as encara Luís Sepúlveda. Antes no seu sentido etimológico mais profundo, o do "ban", da circunscrição feudal, sendo que eu sou aqui o feudo, o espaço é meu, as minhas palavras são o meu território.
São banalidade com berliques e berloques e, no entanto, por mais ridículo e sem consequências que o possa ser, são banalidades comprometidas. São banalidades com grau de exactidão. As vítimas, para mim, não serão nunca danos colaterais. Os palhaços vitimadores não serão nunca eufemismo.
As palavras estão banalizadas, apupadas nos seus sentidos. As palavras estão escravas de interesses e são armas com gatilhos encravados. As palavras já não explodem, implodem na mentira. As palavras - e os discursos - ganham naftalina, quando se exaurem os seus significados, se enfeitam textos que nada dizem.
Olho os discursos políticos e pergunto-me onde estão as palavras. Vejo lá as letras e os ditongos a formá-las, as sílabas, os sons representados. Mas sinto as palavras sem sentidos exactos, sem contornos de verdade. E são tantas as palavras, tantas, tantas... Em toda e qualquer entrevista, todo e qualquer comunicado à imprensa, nos debates "políticos" que já não querem saber da "polis". E o sem sentido das palavras gastas, que correm o risco de já não dizerem rigorosamente nada, que perdem exactidão, são contaminadas pelas tricas de gente que faz da palavra a arma do interesse mesquinho, comprometido, prostituído.
As minhas palavras são banais. Mas quero-as ainda exactas. Armas puras nos sentidos, capazes de dizer as coisas banais de forma inequívoca, sem vítimas e sem vitimadores. Palavras-armas sem lobbies, contra a indiferença; contra o embrutecimento. Palavras-armas contra a minha voz em fuga e o meu alheamento das causas que as vão motivando ainda...
Mas há dias em que fico sem palavras, porque as histórias são demasiado sujas. Não encontro uma sequer que consiga precisar o que sinto. Que dizer de uma mãe que mata uma filha e desata a dar entrevistas chorosas para os jornais e televisão? Não tenho mesmo palavras. Chamar-lhe "puta" - palavra mais que banalizada - não chega sequer próximo do que sinto.
3 comentários:
Andamos a ler o mesmo livro, e pelos vistos, a sua leitura está a ser tão importante para ti como o está a ser para mim.
Sobre o que referes no fim só te digo que as putas, têm o direito a ser respeitadas, não podem ser comparadas a uma qualquer
Eu disse que achava que a palavra "puta" estava mais do que banalizada. Aliás, nem é só isso. Também é uma pena que seja usada tão amiúde só para o sexo feminino. E, depois, não sei se todas as prostitutas merecem ser respeitadas. Como em tudo, haverá umas que sim e outras que não.
Obrigada pela visita.
On : 9/24/2004 12:58:03 PM duende (www) said:
Confesso que ontem não te respondi porque não me senti capaz de o fazer. Nem hoje me sinto, mas ficar calada pode ser pior. Não só pelo terrífico da situação mas também por algo que disse em outro blog antes de tudo se saber (ou suspeitar). De repente o meu comentário nesse blog, tornou-se realidade aqui bem à frente dos meus olhos.
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On : 9/24/2004 5:58:22 PM HardCuore (www) said:
Precisava de ser gaja. Enojado que estou, precisava de ser gaja para saber melhor ainda como dói.
Há dramas que merecem a capacidade de dar a dor.
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On : 9/25/2004 4:39:44 AM Hipatia (www) said:
Eu sei, Duende. Compreendo-te. Há uma coisa nas entranhas às voltas e uma pessoa nem sabe muito bem o que fazer, dizer, sentir. Os "gut feelings" são tramados e, quando se provam certos, quase desejaríamos não ter "feelings" para não nos sentirmos assim.
Eu senti-me "desconfortável" perante uma mãe que falava com um demasiado aparente pouco caso do desaparecimento da filha e que teimava em mostrar para as câmaras umas lágrimas que não me pareciam suficientemente verdadeiras. Não estranhei quando noticiaram que tinha vendido a filha. Aceitei imediatamente como verdade, a mesma verdade que não encontrei nas motivações e numa dor que não via, sentia. Mas não a morte de uma criança. Não um crime. Isso recusei-me a supor. Recusar-me-ia sempre a supor que uma mãe mate um filho. Há pensamentos que não quero ter, não me posso permitir. Mesmo quando eles andam cá dentro, nas entranhas, a macerar-me.
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On : 9/25/2004 4:45:47 AM Hipatia (www) said:
O nojo que sinto não sei se é de "gaja", HC. Mas é um nojo profundo, um luto e um vómito. É uma náusea, uma agonia. Choca-me a futilidade, a meia dúzia de euros que se fizeram motivo, bem piores que quaisquer trinta moedas bíblicas. Talvez porque sejamos nós, mulheres, as portadores do dom da vida, as mães. Nunca o executor, o carrasco. Não entendo como se mata algo que cresceu dentro de nós, que se alimentou de nós, que é uma parte de nós. É nesta incompreensão que me perco, que perco todas as noções, todas as palavras.
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