Era a tarde mais longa de todas as tardes
que me acontecia
eu esperava por ti, tu não vinhas
tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
tardando-lhe o beijo, mordia
quando à boca da noite surgiste
na tarde tal rosa tardia
quando nós nos olhamos tardamos no beijo
que a boca pedia
e na tarde ficámos unidos ardendo na luz
que morria
em nós dois nessa tarde em que tanto
tardaste o sol amanhecia
era tarde de mais para haver outra noite
para haver outro dia.
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.
Foi a noite mais bela de todas as noites
Que me aconteceram
Dos nocturnos silencios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa
De fogo fizeram.
Foram noites e noites que numa só noite
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram.
Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto.
Estrela da Tarde, cantada por Liana
(José Carlos Ary dos Santos morreu em Lisboa, a 18 de Janeiro de 1984)
9 comentários:
Dizem que morreu, mas enganam-se !
"Nunca é tarde nem cedo" porque as
estrelas brilham eternamente.
Bom ano.
Acho que enquanto o cantarem se mantém vivo. Mas, vinte e cinco anos depois, penso na maior parte das letras de canções que hoje tocam nas rádios e lamento que tenha morrido tão cedo: cantar em português ficou bem mais pobre.
Será que brilham?
Bom ano! E um beijo :)*
Ainda estava no Secundário quando fiz um pequeno trabalho sobre a sua vida e obra. Aí que pela primeira vez tive conhecimento do que era a mesquinhez dos parasitas partidários em Portugal, foi um episódio curioso.
Há 25 anos a politiquice era o que era, como continua a ser. Podemos não ter muitas certezas, tirando que dos lados da política à moda da casa se descobrem facilmente e com demasiada fartura valentes montes de merda. E se é certo que acho que Ary dos Santos até se pôs a jeito, não deixa de ser verdade que há coisas que já nem jeito têm. Sobra-nos o que escreveu.
É um grande poeta, vibrante e é porque ainda hoje as suas palavras nos tocam. Pena que tenha sido tão injustiçado apenas pela sua opção sexual.
É que na altura ainda não metiam o casamento civil gay no programa eleitoral à pressão, depois de o terem chumbado na AR, à caça de uns votos em ano de eleições ;-)
Mais Vozes
Ele continua a ser estimulante.
mfc | | Email | Homepage | 01.18.09 - 5:33 pm | #
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Há nas hipálages, nas personificações, nas hipérboles, sinédoques, elipses, imagens, ritmos, perífrases e aliterações dos poemas de Ary dos Santos – e de que este é um bom exemplo – algo que me cativa. Da primeira à última letra leva-nos com ele. Para lá de quaisquer conotações políticas, nunca mais ninguém escreveu com tanta qualidade poemas destinados a serem cantados.
Hipatia | | Email | Homepage | 01.19.09 - 12:14 am | #
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