aqui
Durante anos (depois do velho café com recuado de que já falei aqui no blogue), mudei-me para um Majestic decadente e de cadeiras e sofás rotos. Estava a estudar e tinha muito tempo para tudo, dinheiro para quase nada e um grupo de amigos e conhecidos que, à mesma hora, dia sim dia sim, lá estava a ocupar as mesas do costume. Não devíamos dar grande lucro, que o dinheiro chegava para um café por cabeça e pouco mais. Havia alguns que tinham mais dinheiro, alguns outros (mais velhos quase sempre) já desviados para outros caminhos, como a música e o jornalismo, que as rádios piratas bombavam em cada canto e estavam quase a chegar à idade adulta, a vestirem o fatinho e a porem a gravata e nada voltaria a ser como dantes.
Tudo parecia crescer à volta e, de certa forma, foi uma boa altura para andar por lá, a ver como era e deixava de ser. Apesar de ter perdido o contacto com quase todos desse grupo (como acontece demasiadas vezes), sei bem onde andam muitos, o que lhes aconteceu, em que se transformaram. Pergunto-me quantos não sentirão agora como estão ajaezados pela vida. Eu sinto-me assim demasiadas vezes, quando tenho tempo, quando sobra a nostalgia.
Hoje, há dias em que pressinto que também os blogues estão a chegar à fase do fatinho de trabalho e da gravata. E, no entanto, alguns de nós resistem. Vamos ser ultrapassados – como sempre –, que ninguém se compadece das réstias de idealismo que ainda teimamos em manter. Ou talvez apenas continuemos a seguir em frente, como fizemos antes, como fazemos sempre.
E, no entanto, há algo no umbiguismo dos blogues, dos Facebooks e Hi5s, dos Twitter e de tudo o mais que ainda vai ser inventado, que apenas se assemelha ao que deixamos para trás. Por aqui, é o indivíduo e não o grupo; é cada vez mais o eu e menos o nós. A conversa fica limitada e mediada, a disponibilidade divide-se com coisas cada vez mais prementes. E, num Tempo sem tempo, por mais "ligados" que estejamos, há muito que nos desligamos efectivamente.
Não é que não se tente. Tenta-se muito e cada vez mais: temos conta em mil e um sítios onde não vamos, compramos até um telemóvel que nem usamos só porque vinha todo artilhado com as ligações que não fazemos, mais o portátil que depois nos cansa carregar e as net móvies que nos chulam. E alguns de nós mantêm teimosamente as caixas de comentários abertas e esperam pelos comentários e esperam ainda que, naquele espaço limitado, apareça uma discussão à moda antiga, com ar de café cheio de fumo e tempo – muito tempo – para conversas, para ver como é e como vai ser, como pode até nunca vir a acontecer, como as albardas podem ser leves quando lhes damos uma importância relativa e que, quase sempre, só parecem assim leves porque o amigo que está ali ao lado ajuda a aligeirar as coisas com a piada ou o palavrão atempados a recordar-nos que nunca nada é tão grave como o nosso umbigo pinta.
Mas há um individualismo desenfreado e instituído onde acabamos todos hoje, melhor ou pior, enterrados. Somos cada vez melhores a debitar e encontrar informação e cada vez piores a debatê-la e partilhá-la. Nem chega a ser surpresa que o civismo recue, que a política seja coutada, que o pessoal se mantenha alheado de chatices e causas, que todos se tentem encontrar devidamente protegidos pelos meios e os ecrãs e as teclas.
Eu guardo cada vez mais esta saudade que me envelhece de um tempo de gargalhadas, ou piscares de olho presenciais e cúmplices, envolvidos na leveza da segurança de estarmos a fazer alguma coisa, de ser o nosso tempo, que havia tempo. E o calor humano que, por mais que se tente, nunca se consegue transmitir realmente por um teclado. Mesmo quando reconheço que a net me agarrou, se tornou vício e tomadora de tempo. Mas vejo-a cada vez mais como um espaço do domínio do eu e do monólogo, bem diferente das velhas salas fumarentas, as tais que, a pouco e pouco, desapareceram do centro das cidades para serem substituídas por lojas e snack-bares onde se come à pressa e em pé.
Tudo parecia crescer à volta e, de certa forma, foi uma boa altura para andar por lá, a ver como era e deixava de ser. Apesar de ter perdido o contacto com quase todos desse grupo (como acontece demasiadas vezes), sei bem onde andam muitos, o que lhes aconteceu, em que se transformaram. Pergunto-me quantos não sentirão agora como estão ajaezados pela vida. Eu sinto-me assim demasiadas vezes, quando tenho tempo, quando sobra a nostalgia.
Hoje, há dias em que pressinto que também os blogues estão a chegar à fase do fatinho de trabalho e da gravata. E, no entanto, alguns de nós resistem. Vamos ser ultrapassados – como sempre –, que ninguém se compadece das réstias de idealismo que ainda teimamos em manter. Ou talvez apenas continuemos a seguir em frente, como fizemos antes, como fazemos sempre.
E, no entanto, há algo no umbiguismo dos blogues, dos Facebooks e Hi5s, dos Twitter e de tudo o mais que ainda vai ser inventado, que apenas se assemelha ao que deixamos para trás. Por aqui, é o indivíduo e não o grupo; é cada vez mais o eu e menos o nós. A conversa fica limitada e mediada, a disponibilidade divide-se com coisas cada vez mais prementes. E, num Tempo sem tempo, por mais "ligados" que estejamos, há muito que nos desligamos efectivamente.
Não é que não se tente. Tenta-se muito e cada vez mais: temos conta em mil e um sítios onde não vamos, compramos até um telemóvel que nem usamos só porque vinha todo artilhado com as ligações que não fazemos, mais o portátil que depois nos cansa carregar e as net móvies que nos chulam. E alguns de nós mantêm teimosamente as caixas de comentários abertas e esperam pelos comentários e esperam ainda que, naquele espaço limitado, apareça uma discussão à moda antiga, com ar de café cheio de fumo e tempo – muito tempo – para conversas, para ver como é e como vai ser, como pode até nunca vir a acontecer, como as albardas podem ser leves quando lhes damos uma importância relativa e que, quase sempre, só parecem assim leves porque o amigo que está ali ao lado ajuda a aligeirar as coisas com a piada ou o palavrão atempados a recordar-nos que nunca nada é tão grave como o nosso umbigo pinta.
Mas há um individualismo desenfreado e instituído onde acabamos todos hoje, melhor ou pior, enterrados. Somos cada vez melhores a debitar e encontrar informação e cada vez piores a debatê-la e partilhá-la. Nem chega a ser surpresa que o civismo recue, que a política seja coutada, que o pessoal se mantenha alheado de chatices e causas, que todos se tentem encontrar devidamente protegidos pelos meios e os ecrãs e as teclas.
Eu guardo cada vez mais esta saudade que me envelhece de um tempo de gargalhadas, ou piscares de olho presenciais e cúmplices, envolvidos na leveza da segurança de estarmos a fazer alguma coisa, de ser o nosso tempo, que havia tempo. E o calor humano que, por mais que se tente, nunca se consegue transmitir realmente por um teclado. Mesmo quando reconheço que a net me agarrou, se tornou vício e tomadora de tempo. Mas vejo-a cada vez mais como um espaço do domínio do eu e do monólogo, bem diferente das velhas salas fumarentas, as tais que, a pouco e pouco, desapareceram do centro das cidades para serem substituídas por lojas e snack-bares onde se come à pressa e em pé.
Talvez isto tudo (grande lençol, porra!) não passe mais uma vez de cansaço. Tem sido cíclico desde que por aqui escrevo. E talvez seja a velhice a bater à porta, num dia em que não me apeteceu sair à noite para apanhar frio e trânsito e bêbados e conversas sem conteúdo ou sentido. Amanhã passa; tem de passar. Depois de uma noite bem dormida, tentarei como de costume dar a importância relativa a tudo isto e recordar que, apesar de tudo e tudo, é no real que estão as minhas âncoras e que, um dia destes, talvez dê por mim a escrever um texto sobre os bons velhos tempos em que tinha um blogue e reunia um grupo de amigos nas caixas de comentários. E esperar que, nesse dia e ao olhar para trás, de alguma forma a saudade ainda saiba ao mesmo.
10 comentários:
Claro que isso passa... a nostalgia, quero dizer, para se repetir um dia. O individualismo, esse, é um mal geral e há-de ser cada vez mais. O gosto pela conversa aprende-se, "domestica-se" e para isso são precisos tempo e paciência. Uma (grande, enorme) parte dos (mais) jovens substitui a conversa em presença pelo envio desenfreado de sms e das conversas apressadas e cruzadas no msn. Aos mais velhos, os da nossa geração, tudo serve de desculpa - invariavelmente os filhos ou o trabalho - para não estar com os outros. O idealismo de muitos limita-se à compra de uma casa e de um carro que complete a imagem de família perfeita.
Vou parar por aqui... isto já vai longo...
Agasalha-te e vai dar uma volta na rua dessa tua cidade, por mim, que há tempos ando a tentar ir aí.
Bom fim-de-semana. :)
Chego sempre à conclusão de que "já não há conversas como havia antigamente" (até parece uma letra do Rui Veloso) nos cafés ou em casa dos amigos, conversas pela madrugada a dentro. Perdeu-se essa magia real (falo por mim). Acabaram-se as tertúlias porque o tempo está sempre e cada vez mais cheio de pressa...
Ainda ontem falava com uma amiga (através do teclado) sobre o tempo que o blogue tem, quase cinco anos, quase uma vida! E como já nada é como dantes sabe tudo a tão pouco.
Poucos são os que resistiram a manter o blogue, eu vou continuar por aqui, "monologando", desabafando e brincando comigo... afinal estas (como as de casa) também são as minhas quatro paredes.
Toma lá um Kiss :)
Tu vais ver que é da crise. ;)
Torna-nos acabrunhados, tristes e virados para dentro.;)
Repara que as gentes dos blogues em 2004-2005 estavam vivas e activas como a gana dos portugueses em mandar borda fora o Pedrocas e por isso,com o capital de esperança em alta.Hoje estamos todos engripados com a crise a que não somos imunes. ;)
E como a nostalgia do que fomos só nos pode fazer doer muito julgo que não há como continuar a cirandar pelos blogues até voltar a chama que cure a ferida. ;)
Segui o teu conselho e fui dar uma volta. Comecei no cinema onde uma fedelha falou alto durante todo o filme enquanto comia pipocas de boca aberta. Acho que só não lhe fechei a boca ao murro porque quem estava comigo tem muito mais paciência do que eu. Segui para o barzinho habitual e foi o filme do costume para estacionar e mais os arrumadores no meio da rua que só não passo a ferro porque me podem dar cabo da lata do carro. E, mesmo sendo um espaço para fumadores, tive de gramar com uma indignadinha por estar tanto fumo. Ai já fumegava eu com as bocas. Quando a parva me pediu para não fumar à beira dela, perguntei-lhe se era analfabeta. Ficou de boca aberta a olhar para mim e foi quando lhe apontei o letreiro azul dos fumadores enquanto lhe dizia que, como devia ser difícil ser daltónica, já que apesar do ar de galinha não me parecia homem, então ou era analfabeta ou era burra. Grunhiu qualquer coisa e virou-me costas. Parece que afinal não era galinha. E depois é sempre assim, cada vez mais. E eu já não tenho paciência.
É verdade, Tozé: estas também são as nossas quatro paredes. Mas há dias em que lamento profundamente quando tínhamos bem menos a nível tecnológico para nos ligarmos ao mundo e aos amigos e acabávamos por, na verdade, usufruir bem mais dos amigos e do tempo e do mundo.
Acho que bem de mais longe do que 2004 ou 2005, Maria Árvore. Podiam não ser os blogues, mas já andávamos (eu pelo menos) mais on na net do que lá por fora há muito tempo. E quando cada vez mais coisas nos afastam dos sítios antigos (fecharam os cafés, está cada vez mais complicado e até perigoso andar na cidade, é tudo demasiado caro em tempo de crise, não se pode fumar em quase sítio nenhum…), sobra cada vez menos espaço para convívio que não seja mediado de alguma forma por um qualquer gadjet que nos quer pôr on mas nos deixa muito pouco in.
Tenho tantas, tantas saudades das tardes nos cafés, uma bica a cada um que era a 25 paus e não havia para mais, e mudávamos o mundo à conversa. Mais tarde, já eram as noites, também uma bica a cada um, que era a 35 paus e não havia para mais, e continuávamos a mudar o mundo à conversa.
Sábado tive uma bela noite de conversa, eu, me mate e mano, os putos (e a cunhada, lol, desistente) já deitados, trocámos mágoas, encurralanços, futuros ainda sonhados e que gostávamos de concretizar, os 40 já a espreitar ali à esquina. E trocámos ideias de livros e filmes e filósofos e pensadores, e foi bom e até continuávamos, não fosse já uma da manhã e estarmos a cair de sono.
Custa-me tanto sentir assim encanitada pela vida. É que ainda há tanto para ler, ver, aprender e partilhar à volta de um café.
(PS: pessoal a falar no cinema - queres que te empreste me mate? o gajo não tem vergonha nenhuma, e faz-me passar por umas, em contrapartida. quando está comigo limita-se ao "chhhhiiiiu!!!!" ou "caluda!". se estiver mais à vontade - sozinho- chega ao "cala-te, porra!" ou pior)
Lembras-te dos Trovante a cantarem "deixo vinte paus na mesa e vou apanhar boleia". E numa esplanada, lol. Há que séculos não há esplanada que não nos tente levar o couro por usufruirmos do sol que, para já, ainda vai sendo de graça, enquanto as leis higienistas expulsam para as ditas aqueles que, como eu, não prescindem se um cigarrito depois do café.
Uma das coisas que mais gosto quando vou ai para os teus lados é das mesas de cozinha em casa ou da Vanus ou da Bastet. É à volta delas que mato muitas vezes estas tantas de saudades que tenho de boa conversa em melhor companhia. De certa forma, vivo rodeada de gente que tem interesses tão diametralmente opostos aos meus que, tirando o trabalho ou o tempo, parece que falamos outras línguas. E o estranho é que nem sequer têm habilitações literárias assim tão diferentes. Mas as pessoas fecharam-se em casulos de temas e não sabem sair dali. Não sabem, quase sempre, do que falo quando comento a música que gosto, não vão a concertos desde que saíram da Universidade e, mesmo ai, só deviam ver Quim Barreiros na Queima das Fitas, o último livro que leram e a-do-ra-ram chamava-se "O Segredo" e vão ao cinema de longe a longe ver qualquer coisa que toda a gente vê, quer goste ou não de cinema, como aquele filme da call-girl ou os do Tony das Cruzes. Teatro, então, nem pensar. Há obviamente o futebol, mas isso há para todos. E as contas e a família e o jantar sempre à mesma hora com a televisão ligada para ninguém falar. E se te convidam a comer em casa deles, nem sequer dá para estranhar que, mesmo assim, deixem a tv ligada. E eu sinto-me uma extra-terrestre num mundinho que não reconheço, numas prioridades que teimo em não ter. E talvez por isso ainda tenha o blogue que, mesmo em monólogos sucessivos, pelo menos aqui pareço ter encontrado quem ainda sabe do que falo. E quem se ri com as mesmas coisas que eu. E se irrita a par. E ainda teima em achar que tem causas e que talvez um dia se possa mudar o mundo à conversa.
(Bem, eu só não disse nada, tirando um "então!!!" com voz de bruxa porque estava acompanhada de gente bem mais delicadinha e paciente, lol.)
Mais Vozes
Durante muitos anos aqui na minha zona desapareceram os bailaricos, a coisa do dançar agarrado era tida como coisa de saloio de provinciano de velho caquéctico. Actualmente as discotecas para não fecharem rendem-se aos velhos bailaricos , aquela velhada tristonha que se julgava sozinha nas suas vontades reencontrou o seu espaço de diversão reencontrando ai gente com vontades semelhantes ás suas .É obvio que os jovens adultos de 74 tinham algo de diferente da rapaziada dos meus dias é obvio que me custa a creditar que algo de semelhante possa vir a acontecer com a gente que partilhava comigo espaços e ideias . Ás vezes quando me ponho a pensar nestas tretas ás vezes gosto de acreditar que também eu não estou sozinho gosto de acreditar que existem marcianos gosto de acreditar que existirá vida noutras galáxias
frogas | | 01.17.09 - 9:01 pm | #
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E talvez um dia dês por ti a falar mais depressa com marcianos do que com o vizinho.
Hipatia | | Email | Homepage | 01.18.09 - 5:06 am | #
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é, de facto, uma associação interessante feita muitas vezes... e muito, muito, nostálgica. verdade. eu, por exemplo, penso muito como será, a este nível, a vida dos meus filhos (que ainda não tenho).
fabulosa | | Email | Homepage | 01.19.09 - 10:59 am | #
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Eu olho para esta vidinha que nos sobra e o estado em que estamos a pôr o Mundo e cada vez me pergunto mais se ainda valerá a pena chegar a ter um filho
Hipatia | | Email | Homepage | 01.19.09 - 8:15 pm | #
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Eu já pensei muito nisso... antes de me decidir pelo sim. Apesar de tudo, acho que sim. (Só me falta fazê-lo.)
fabulosa | | Email | Homepage | 01.20.09 - 10:48 am | #
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Faz três, lol. Assim, já vai um também por mim
Hipatia | | Email | Homepage | 01.20.09 - 8:35 pm | #
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As pessoas ao olhar para trás relembram apenas o fundamental... aquilo que as tocou. Daqui a uns tempos, o pessoal dos msm vai-se lembrar disso e também vai ter saudades. Só näo sei como estaräo a comunicar na altura..
Adoa | | Email | Homepage | 01.20.09 - 9:38 pm | #
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Sem dúvida! Uma das nossas sortes é a memória selectiva. E é essa minha memória que me encharca de nostalgias
Hipatia | | Email | Homepage | 01.21.09 - 7:39 pm | #
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