2009-02-01

Treitas

.

«Alguns comentadores criticaram-me por tomar posição, não questionavam os argumentos, nem discordavam das posições, simplesmente achavam que deveria ficar calado numa lógica oportunista, discordando de Sócrates a atitude mais inteligente seria deixar os novos fascistas queimarem-no. (…)

(…) hoje qualquer cidadão mal amado pelos fascistas pode ser acusado de pedófilo ou de corrupto e muito antes de chegar a um tribunal para se defender já está mais destruído do que alguma vez a PIDE conseguiu em relação aos opositores à ditadura.»

in, O Jumento



Aqui há uns tempos, escrevi um post em que me insurgia contra a falta de tomates do Governo PS para que passasse na Assembleia da República uma lei que permitiria a cidadãos maiores, supostamente vacinados e contribuintes, terem acesso a um contrato civil que regulamentasse a sua vida em comum, para lá de opções sexuais, num quadro constitucional que condena qualquer acção que penalize a igualdade de todos, quer em direitos, quer em deveres fundamentais. No seguimento desse post, logo me entrou pelo blogue dentro alguém que aproveitava a deixa para acusar José Sócrates de homossexual, facto nunca provado (nem que era necessário provar, caso não tivesse sido sibilado tantas vezes), mas do qual essa pessoa tinha certeza absoluta. Como a conseguiu? Provavelmente seguindo o boato que, há quatro anos atrás, foi de forma insidiosa lançado na imprensa, com óbvios objectivos de lançar uma mancha sobre o nome de um candidato a Primeiro Ministro, esperando que um grupo jurássico de votantes entendesse que a suposta homossexualidade do homem era maior motivo para não votar nele do que o projecto de governação que apresentava ao País.

Na mesma altura, tinha também sido lançado um outro "caso", o mesmo que regressa agora, com suspeitas de conduta pouco ética e subornos na aprovação de projectos de licenciamento em reserva ambiental protegida. Esse caso deu mesmo origem a um outro, em que o DIAP provou haver um inspector da PJ e dois jornalistas do antigo semanário Independente responsáveis por violação de segredo de justiça. Esse mesmo crime, passados 4 anos, corre célere pela comunicação social, continuando sem se perceber se alguém corre o risco de ser hoje constituído arguido num crime que, pelos vistos, se repete de quatro em quatro anos.

O que se sabe realmente hoje, para além do que se sabia em 2005? A comunicação social larga a conta-gotas mais informação, como uma torneira que pinga sem que se lhe substitua a bucha. Os nomes são envolvidos, as reputações são machadas, espera-se que se linche em praça pública qualquer um que se envolva, misturam-se dados com anos de permeio, compondo textos para fazer crer que é tudo novo, fala-se de uma tal de carta anónima, que parece que não é anónima e de uma carta rogatória que, pelos vistos, também não diz mais do que a carta rogatória que saiu da PJ em 2005, baseada na tal denúncia anónima que afinal tem nome. Comenta-se a celeridade do processo de licenciamento do Freeport, que pelos vistos correu durante dois anos e foi alvo de pelo menos duas correcções para se adequar ao que o Ministério do Ambiente exigia. Agora aparece uma assessora que em 2004 ouviu qualquer coisa, mas que em 2004 a PJ não achou motivo suficiente para indiciar fosse quem fosse e parece que houve uns técnicos do ICN que foram afastados, bem como uns investigadores ingleses que também correm o risco de irem para o olho da rua lá na terrinha deles por incompetência. E parece também que há uns e-mails e um primo idiota que afinal não está no Nepal, mas não se pode dizer onde está, senão ainda foge. E ainda há a Quercus, que também tentou a sua parte do milho, à conta de uma queixa que afinal Bruxelas achou por bem arquivar no caixote do lixo. E há, claro, o dinheiro que desapareceu num qualquer bolso e um golpista que, quando apanhado, achou por bem dizer que tinha usado o dinheiro para pagar umas luvas. Mas do dinheiro e do seu rasto ninguém dá acordo, ainda que pareça que querem que se acredite que, afinal, serviu para a casa que a mãe de José Sócrates comprou quatro anos antes, em 1998. Por fim, há ainda um destacado elemento do maior partido da oposição, que não tem medo de enxovalhar ninguém na televisão – nem sequer aqueles que a Justiça já ilibou e o País indemnizou – que não se coíbe de dizer que em 2005 aquilo tinha sido mesmo uma "campanhazinha negra" engendrada por elementos dos dois partidos que tinham sido deitados abaixo do poleiro, precipitando as eleições que deram a maioria absoluta que José Sócrates, mesmo achincalhado de paneleiro, conquistou à frente de um PS fortificado, apesar da campanha anterior que visou decepar o partido de líderes, queimando sem perdão Ferro Rodrigues na comunicação social à conta de um outro mega-escândalo que, como de costume, se travestiu numa montanha a parir um rato.

Fique claro que não gosto de José Sócrates. Mais claro ainda que acho que o seu Governo traiu quase todos os valores socialistas em que fui criada. E que estou farta da arrogância do Primeiro Ministro e das suas campanhas publicitárias descabeladas e o discurso de que fez muito e conseguiu muito e que o País está melhor com ele do que esteve antes. Se eu também sou o País, digo desde já que fiquei muito pior com este Governo do que estava antes e que me irrita supinamente ter andado quatro anos a apertar o cinto para saber que o dinheiro dos impostos que recolheram à minha custa é usado ao desbarato para proteger e salvar os amiguismos do costume.

Sei que não consigo olhar para este emaranhado de diz-que-disse com as certezas de certa direita, que prefere acusar um inocente – desde que seja José Sócrates que, como todos sabemos, além de paneleiro (porque disseram nos jornais), também é um escroque ladrão (porque dizem nos jornais) e não tem nada ar de inocente nos seus fatinhos Armani – do que admitir que, em termos políticos, estão fodidos e sem alternativa, a não ser que voltem a fazer as tais das "campanhazinhas sujas". Eu, que fui criada a achar que qualquer auto-de-fé é condenável, olho para esta salgalhada com suspeita. É certo que prefiro e defendo os antigos valores de esquerda. E que este Governo há muito que não me representa. E, no entanto, não há de ser agora que vou passar a achar que alguém é corrupto só porque nos jornais começaram a coser uns factos, a misturar umas suspeitas e a, enganosamente, venderem como notícias assuntos requentados, bem misturadinhos nos seus anos de permeio e no tempo em que ficaram encostados nos arquivos do MP ou da PJ.

Posso não gostar de José Sócrates e das suas políticas. Posso até ter vontade de o acreditar culpado e corrupto. Mas não assim, não com este tipo de suspeitas e de campanha, em que acaba condenado em praça pública sem sequer ter sido indiciado. Será que vou acabar a pagar também, com o dinheiro dos meus impostos, uma indemnização a José Sócrates à conta de um caso, que nem sei se chega a ser caso, que talvez nunca se venha a provar, para além do boato?

6 comentários:

Bartolomeu disse...

De todo este "merdelim", salvam-se 4 certezas, a saber:
1ª O Freeport existe! Está lá!
2ª As àvezinhas migratórias e as autóctones estão lá. Nidificam, esgravatam nas ervas e na areia, voam, poisam, piam e tudo... algumas fodem-se, mas porque morfam umas merdas contaminadas com pesticidas usados na agricultura que os bacános da Quercus não conseguem fazer proibir.
3ª Ficou provado que aquele ministro o Lino Jámé, da família dos Jámés de Casa Blanka, estáva errado, afinal não existe deserto nenhum na margem sul do Tágus reever.
4ª Dass, esqueci-me do que prova a 4ª... ai caráças, a minha memória... bom, acho que tinha a ver com uma cena qualquer que metia um aeroporto e uma ponte (mais uma) a atravessar o rio... Hãn? Qual rio?... O Tagus Reever, claro, ha outro rio a separar o deserto da luxuriante selva centro-norte?!

Hipatia disse...

Na minha terra – que suponho que seja na tal luxuriante selva centro-norte – uma treita é um trilho de terra arável, normalmente estrumado e demarcado para facilitar a sementeira. Ou seja, é sempre um óptimo espaço para onde se mandar muito milho para ainda mais pardais. É, portanto, um "merdelim" em pleno ;-)

mfc disse...

Não embarco nessas campanhas, mas há perguntas (não respondidas que me deixam perplexo) e que precisam de respostas.
Porque é que tudo foi decidido em tempo record? Porque se alteraram, da noite para o dia, os limites da Zona Exclusiva? Porque é que advogados(??) pediam luvas no dizer do Tio de Sócrates?

Hipatia disse...

Manel, esse é o tipo de pergunta que não sei se podemos ou devemos fazer.

A primeira, porque foi um processo que parece que demorou dois anos e foi sujeito a adaptação às exigências do MA e, depois do novo governo PSD tomar posse, ninguém questionou, muito menos foi chumbado pelo PR. Estão todos metidos? Se acharmos que estão...

Quanto à segunda questão, basta alguém gritar ladrão para haver um? Mal estamos se basta acusar sem provas.

Toze disse...

É só boatos.
Portugal é o País dos boatos.

Casa Pia é Boato
Freeport é Boato
Saco Azul é Boato
Apito dourado é Boato

Portugal é o País Boato da Euopa.
PIM

Hipatia disse...

Também não me parece que seja tanto assim, lol. Penso que todos os casos que apontas meteram demasiado boato à mistura: foram empolados, passaram as marcas, em alguns deles cometeram-se crimes de violação de segredo de justiça e em quase todos acabou a substância por ficar bem mais condensada do que o estertor dos media prometia. E é por isso que no caso Casa Pia até acabaste a pagar com os teus impostos indemnizações chorudas, o Apito parece querer ir pelo mesmo caminho, o Furacão virou brisa e o saco azul (ou o sobrinho taxista) não muda de cor. A Justiça nunca é feita realmente de boatos. Mas as parangonas tentam sobrepor-se e substituir-se, num festim de pão e circo.