2025-05-29

Palavras

Todas as palavras cabem no meu dicionário. Até o vernáculo. Pobre de mim se me impusesse apenas palavras politicamente correctas. Depois, como ia conseguir descrever os dias fdp?

2025-05-25

Fragilidade

A fragilidade é um sopro que se instala nos interstícios do quotidiano.  É no gesto trémulo, no olhar que hesita, no silêncio que se prolonga.  É a pele que se arrepia ao toque da memória, o coração que perde passo perante o eco de uma ausência.  É a palavra não dita, o abraço que ficou por dar, o adeus sussurrado entre lágrimas contidas.  É a certeza de que somos finitos, de que o tempo escorre por entre os dedos como areia.  É a beleza do efémero, a poesia do instante que se desfaz.  Na fragilidade, encontramos a nossa humanidade, a nossa capacidade de sentir, de amar, de ser.  E é nesse reconhecimento que reside a nossa força. 

2025-05-13

Quando o silêncio é uma arma

Na Alemanha nazi, o silêncio era cuidadosamente arquitetado. Não era ausência de som, mas ausência de rastros. 

A 7 de dezembro de 1941, uma diretiva assinada por Hitler instituiu a política Nacht und Nebel — Noite e Névoa. Um nome poético para um programa de terror. 

Destinada aos opositores políticos nos territórios ocupados, o objetivo desta política não era apenas punir, mas apagar, fazer desaparecer os corpos, os nomes, os sinais, transformar seres humanos em espectros.

Era mais do que uma estratégia repressiva. Era uma engenharia do esquecimento.

2025-05-11

Desesperança

Desesperança é quando até o amanhã perde o gosto e já ninguém mais escreve cartas para o futuro. O futuro, aliás, transformou-se numa gaveta fechada. A chave? Alguém a perdeu. Talvez tenha sido eu. Ou todos nós, juntos, num silêncio bem ensaiado.

Acordar tem sido um gesto automático: não há mais café que aqueça o peito e desfaça as sombras. As notícias repetem a desgraça com palavras novas, enquanto o público finge surpresa.

Há uma pausa que ninguém preenche, um vácuo entre o que se quer e o que se tem. O mundo continua, claro, mas não convida, enquato as janelas permanecem abertas, mas só entra poeira e mosquitos.

A esperança era uma vela, mas hoje é só cera fria, moldada em formas de desistência. E mesmo assim há quem continue soprando o nada — por vício, talvez.

Mas ainda há um resto, um fiapo, não de esperança, mas de teimosia, de seguir mesmo assim, com os pés no barro e os olhos embaciados, porque às vezes continuar é a única forma de resistência.

2025-05-09

Dia da Europa

Num qualquer 8 de Maio, vi um homem perder o comboio e foi como se perdesse o continente inteiro.

Tinha nos olhos uma pátria desfeita, um idioma sem lugar no mapa. À volta dele, migrantes e medo. Um pouco mais ao lado, uma guerra a acontecer.

Falam de unidade, de paz, de valores comuns.

Mas eu, que sou feita de fronteiras e de ausências, só encontro na Europa de hoje um silêncio onde os velhos hinos dormem, um vinil riscado a repetir promessas que ninguém se lembra de cumprir, uma ausência de ser burocrática e caduca onde os sonhos vão morrer.

Hoje é Dia da Europa.

Na minha rua, ninguém festeja. As andorinhas voltaram, como sempre, sem precisar de passaporte.