2004-09-15

Obscenidades

Viajo no teu corpo. Só teu corpo?
Mas quão breve seria essa viagem
Se no limite dela a alma nua
Não me desse do corpo a certa imagem.


José Saramago



Tradicionalmente, as mulheres são sujeitas passivas de dichotes mais ou menos explícitos de carácter mais ou menos ostensivamente sexual. Os trolhas a mandarem bocas do alto dos andaimes não serão o exemplo menos reconhecível, por certo. Como se lida com isto? Não se lida. Ponto. Não se ouve, não se liga, não aconteceu.

Depois, há a forma como notamos que somos olhadas, analisadas, pesadas e comentadas por grupos de 2, 3, 4 gajos sentados no canto do café. E o mesmo tipo de dichote, agora já não berrado, antes dito no tom suficientemente audível para ser percebido enquanto caminhamos para a casa de banho, é já bem capaz de nos causar a curiosidade suficiente para olhar melhor e tentar perceber se é mesmo um desperdício um gajo tornar-se assim óbvio.


Não sei… talvez seja uma coisa minha, que gosto de pessoas inteligentes e, portanto, os comentários que acho sexys são os comentários inteligentes, os trocadilhos, os duplo sentidos. Alguém a berrar-me "oh boa!" nunca terá qualquer efeito.

Uma das coisas interessantes na liberação feminina foi ter legitimado às mulheres o direito a mandarem bocas também, a poderem comentar alto e bom som os atributos do sexo oposto, a transformarem o sexo oposto em objecto. E hoje também nós podemos berrar "oh bom!" Mas também não me agrada, ainda que ter a liberdade para o fazer me agrade, sem dúvida.

É que este berrar obscenidades básicas, mesmo que desperte a curiosidade, não terá de ser nunca levado a sério. O sexo hoje é demasiado explícito em todos os sentidos. Nada contra o sexo explícito. Não sou pudica. Mas a forma explícita como se tenta chegar a ele faz-me confusão: os engates básicos, as bocas em tom de frase feita e sem magia, o propor sexo sem sequer se saber se beijar aquela boca vai saber bem…

E desperta curiosidade? Provavelmente. O nosso corpo recorda o prazer, ainda que seja necessário que a mente reconstrua esse prazer para o adaptar ao dia-a-dia. Mas daí até uma boca obscena conseguir afirmar-se como afrodisíaco...

Questiono-me se algum de nós quererá ser só, por mais satisfatório que momentaneamente isso pareça ou seja, o dildo particular de outra pessoa. Por curiosidade, necessidade física, ego, seja o que for, transformarmo-nos em objecto dar-nos-á, em última análise, um mero alívio físico. No fim, cada um de nós descobrirá que isso não basta. Mesmo que também não faça mal nenhum…

1 comentário:

Hipatia disse...

On : 9/15/2004 12:30:11 PM duende (www) said:


Nem sempre queremos viajens longas. A brevidade do sexo pelo sexo protege a alma.

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On : 9/15/2004 12:55:47 PM Hipatia (www) said:


É, não faz mesmo mal nenhum. Parece que até faz bem a tudo e mais alguma coisa, pele incluída, circulação sanguínea e quejandos .

Mas não sei se protege a alma. (A alma? Não será o cérebro? É que se não pode ser o coração, porque é o cérebro, que dizer de algo tão difuso como a alma?)

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On : 9/15/2004 1:00:35 PM duende (www) said:


Tens razão. Utiliizei a palavra alma porque é a escolhida por Saramago lá em cima. Protege as emoções é mais acertado.

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On : 9/15/2004 1:02:27 PM Hipatia (www) said:


Protege sim, voltas a ter razão. Mas quem muito se protege, até de si próprio se esconde.

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On : 9/15/2004 1:23:20 PM duende (www) said:


Ou pode simplesmente já se conhecer o suficiente.

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On : 9/15/2004 1:32:07 PM cachucho (www) said:


Esse nível de bocas que falas certamente vem de pessoas sem educação.
Não estou a ver uma pessoa educada a fazer esse tipo de comentários "oh boa", mas poderá dizer.. olá hoje vens toda gira com esse decote, agora pergunto eu, e não irá dar ao mesmo? :))

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On : 9/15/2004 1:34:06 PM Hipatia (www) said:


Ah! Mas não somos estáticos. Será que continuamos a conhecer-nos verdadeiramente sem nos vermos pelos olhos dos outros, pelo menos de vez em quando, quanto mais não seja em tom de upgrade?

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On : 9/15/2004 1:40:09 PM Hipatia (www) said:


Sim, Cachucho, acho que vai dar ao mesmo. Mas muito mais subtil. Há sempre vários caminhos para um objectivo. Uns são simplistas; outros requerem esforço e imaginação. Ora, eu gosto de imaginação. Aliás, acho que faz muita falta imaginação nestas coisas dos engates, ultimamente. E se, na primeira abordagem, já há bons pronuncios, até admito que era capaz de olhar melhor . Talvez respondesse que gostava de ver como as Levis lhe assentam bem .

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On : 9/15/2004 10:37:06 PM HardCuore (www) said:


Savoir-faire, É apenas disso que falas. E tudo o mais depende do tempo. Aquele onde estamos... e o que julgamos que temos.

Não há boddhisatvas. Ser é julgar. Não o fazer... lol. Escolha cada um o seu caminho - livre de a qualquer momento o mudar. As simple as that. Deus em ti. Hereticamente, de manguito ao alto (é coisa de gajos, mas tu percebes.).

Upa. You know how to whistle, don't you? Just close your lips...

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On : 9/15/2004 10:41:01 PM HardCuore (www) said:


(e já agora, porque não resisto, ó pesuda, "better safe than sorry" funciona mas é nos filmes. é quando achas que dominas que te lixas. simples.)

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On : 9/16/2004 11:57:56 AM Hipatia (www) said:


"olá, alguma nina pa tc"

"trintão procura trintona pa troca de MMS; não respondo a toques"

....

"No novo mundo virtual, descobre-se que a paridade ganha terreno. Os homens e as mulheres trabalham a sua libido com a mesma constância nos fóruns, nos chats e SMS. A Internet substituiu os bailes populares e as discotecas. (...) «Os novos infiéis debicam e multiplicam encontros», explica Robert Ebguy, sociólogo francês. «Fazem zapping. É uma nova forma de amor com telecomando(...)»"

Le Nouvel Obcervateur, citado pela revista Visão de 02/09/2004-09-16

Ainda se assobia? Ainda é preciso savoir-fair? O sexo virou mais item de consumo da sociedade do prova e deita fora. Se calhar, o "oh boa!, daqui a uns tempos até é original.

(e, sim, percebo bem)

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On : 9/16/2004 11:59:07 AM Hipatia (www) said:


Ah! O "pesuda" é para a fulana dos pés azuis e uma mosca, certo?