Nã sê dançar, nã sê cantar e canto, por vezes danço levado a reboque desta ou daquela.
...Recolhi-me naquela sala vermelha fugindo de um luar que me sufocava, que roubava o brilho às estrelas para o entregar, cúmplice da humidade fria da noite, à pedra da calçadas. Aqui prevalece a penumbra, as palavras ciciadas não adquirem significado, os gestos são lentos, aparentemente calmos; as mesas abandonadas fazem companhia aos instrumentos lá no canto, aquele cigarro esquecido, esvaindo-se liberta o fumo que desaparece no ar mas dele fica o doce cheiro.
Vou sorvendo a bebida que me aquece a alma fria à medida que me afasto no tempo resistindo ao regresso do vermelho desta sala turbulenta aquecida no embalado movimento de corpos e olhos colados, na cadencia sincopada das notas libertadas de um piano e do acordeão que abraças em meneio do corpo e à perseguição do teu olhar vergando o meu. Não é verdade que estejas diante de mim, que me tomes e me arrastes, me domes a compasso de um piano tocando só, como marioneta presa dos teus dedos, suspensa nos teus braços e do calor da tua respiração. Quero esquecer, o que mudo me disseste com o arquear de sobrancelhas, para, rodopiando me apartares do teu copo, quero esquecer as promessas que fizeste com os lábios fechados, ao tomares-me de novo, quero esquecer o teu rosto sobre mim debruçado com a última nota do piano pairando no ar.
Soam acordes, para me despertarem numa sala vermelha, quase cheia, o piano ataca seguido de um violino, um par entrelaça-se por um momento quietos desafiam-se num olhar e partem sem o acordeão.
Quase tudo te perdoo, mas o teres levado outra na tua última viagem de mota, não. Um dia esquecerei o teu rosto, até o teu cheiro, talvez.
A resposta ao desafio segundo Erecteu.
10 comentários:
Os cheiros às vezes é bem mais difícil. E, mesmo quando os pensamos esquecidos, voltam sem avisar, como se o nariz tivesse vontade própria.
Moço, gostei desta tua dança, mesmo sem convite :)
Com tais requebros nos parágrafos e olhares cúmplices nas palavras, ná, ná acredito que nã sabes dançar. ;)
Hipatia,
Os cheiros têm muita força, é verdade.
Quanto ao convite, foi pa fazer de Calimero, e, pelos vistos, fiz bem demais :)))
Maria,
Vou-me repetindo cá e lá.
À custa de tanto dançar as estopinhas, alguma coisa ficou, ficou o gosto, até!
Digamos que, passei da necessidade primária do uso da dança, para usufruto do proibido, para o nível 2, o de desfrutar o apetecido ;)
Eu às vezes também me armo em Calimera. Mas é que fico gira a fazer beicinho :D
Celente Erect... eu ;)
E tens toda a razão. Não se leva nunca só a outra na mota, ou se levam as duas, ou então não vai nenhuma. Apanha-se outra pelo caminho. É o espírito do tango... ou da tanga.
Achas que as tangueiras acreditam em gajos que se passam por Calimelos, ou dão preferência aos Calimelos dos gajos que se passam por elas?
;)))
(eheheh. Ora deixa ver como é que o Erecteu descalça essa bota)
Bartó... meu,
Já vi que nã preciso explicar nadinha, nadinha. Sabes a música, a letra, sabes todinho até de trás pá frente, mas adianto que os Calimelos, pás tangueiras, usam chumbada pequena, ou boia, mas sempre ao sentir ;)
ahahahah!!!
Afinal és pescador Erect!
Tenho ouvido dizer que não ha maior tangueiro que um pescador, mas nunca dou ouvidos a boatos.
Nessa qualidade, acredito que já tenhas conseguido "ferrar" umas peixas interessantes.
Desculpa a curiosidade... és pescador de alto ou de baixo... mar?
Só espero que sejas daqueles pescadores que apreciam uma boa caldeirada... sem sarda à mistura!~
(táváver que o trocadilho da sarda, não ia entrar na brincadeira, táva, táva)
;)))
Bartó,
Aprecio caldeiradas, então das boas nem se fala, nas minhas não lhe falta sarda nem sardinha, ainda que haja quem os considere menos nobres.
Mas adiante que o tango vai longo e, francamente, corre o risco de tomar ares de outra coisa qualquer.
Fica bem, um abraço.
Enviar um comentário